quinta-feira, 21 de abril de 2011

QUAL PÁSCOA?, por Isabel Rosete

Bebi desse delicioso vinho, símbolo eterno do sangue de Cristo, que agora e sempre nos vivifica a alma e nos enobrece os corações, para que o ódio neles se apague, para que a raiva sempre desprezem, para que à comunhão e ao perpétuo renascimento permaneçam abertos.

Cristo, pelas mãos do seu próprio povo, os Judeus, foi sacrificado. Por eles e, quiçá, por nós também, sofreu e morreu, no auge da sua maturidade, aos 33 anos de idade. Pelo menos, assim rezam as Escrituras.

Apenas mais uma norte de um ideólogo alucinado? Perguntarão aqueles que, à luz da Verdade, a História não leram. “Não. Claro que não. Estão completamente enganados”. Responderão essoutros que as alegorias bíblicas souberam interpretar literariamente.

Não se trata, de facto, nem de mais uma morte, nem, sobretudo, de uma morte qualquer. A morte de Cristo, não obstante a sua comprovação histórica literal, é uma metáfora, uma simbolização metafórica da Morte politica e socialmente indigna que, com precisão, devemos saber analisar.

O que verdadeiramente importa – pelo menos assim o vejo aquando de olhos postos neste Mundo ingrato – não é a morte ou a dor física desta nobre e lendária figura do humano, não é o seu frágil corpo açoitado e ensanguentado, mas a sua morte e dor espiritual, até hoje perpetuada, qual denotação perfeita da Crueldade, da Cobardia e da Insanidade dos Homens alimentada pela desgraça alheia, porque petrificados por um estado de exacerbação do prazer do Mal, assombrados pela “glória” que não enxergam mais como sinónimo da sua própria imbecilidade.

A morte de Cristo, Deus feito Homem, diz-se, é a exemplificação "claramente vista" da ignorância das gentes de mente pequena, que facilmente entram em histeria colectiva, completamente desgovernadas, ao som da voz de um qualquer líder demagógico movido por uma infundada sede de punição, sem saberem exactamente por que causa lutam.

Eles, os Judeus, preferiram soltar Barrabás e crucificar Cristo. Escolheram salvar o Crime, a Bestialidade, a Desonra, em vez de conservarem a pureza de uma alma que lutou pela Igualdade e pela Justiça, aceitando, sempre e pacificamente, mesmo apesar do seu atroz sofrimento universal, o destino que o Pai lhe havia confiado, a selvajaria norteada pela mais inconcebível inversão de valores que a Humanidade devia, deve, banir convictamente de todos os seus pensamentos e, principalmente, de todas as suas acções.

Cristo lutou, honrosamente, em nome da filosofia que o movia. Defendeu-a, com toda a convicção, em prol de um mundo mais humano, onde imperasse essa costela de Bondade, de Verdade e de rectidão do carácter, a qual também nos integra, por essência, mas que nem sempre des-ocultamos. Morreu por ela, manifestando toda a sua bravura e lealdade ideológica, até mesmo nos momentos em que a sua dimensão humana se encontrava estarrecida.

Caminhou, a passos largos, sem medo de assumir essa penosa tarefa de ser “Persona no grata” a um sistema corrupto, degenerado, completamente desqualificado, à semelhança daquele que hoje vivemos.

Podemos considerá-lo um herói histórico? Claro. Podemos e Devemos. É a minha tese, que passo a defender num intercâmbio de perguntas e respostas.

O que representa ou simboliza este herói? Um mártir, entre tantos outros, que a Historia nos apresenta? A resposta parece-me simples e clara: Cristo foi, é, o símbolo da essência do Humano, na sua grandeza e na sua miséria. Mostrou, mostra, aos Homens – hoje tão cegos e tão surdos como os do seu tempo – como a irracionalidade e o puro instinto são o cancro de todos os Povos, de todas as Nações, em todas as épocas.

Lamentavelmente, esta lição, mesmo que já tenha sido interiorizada por muitos de nós, ainda não foi cumprida. E porquê?

1. Porque não convém aos “donos” do poder uma humanidade marcada pela racionalidade do Dever, pelo respeito pelas liberdades fundamentais, na sua igualitária e natural diferença;

2. Porque continua a reinar a Hipocrisia, a Mentira, a Inveja e a Intolerância, escondidas nas entrelinhas dos graciosos discursos.

A “Caixa de Pandora” abriu-se. Lançou sobre a Terra toda a espécie de males. Nela, porém, ainda se encontra Esperança, guardada com punho forte e, quiçá, só libertada quando os Homens desvairados, pautados por valores indecorosos e insolentes, encontrarem o seu verdadeiro caminho: o da comunhão plena do Bem e do Belo.

Será que, um dia, chegará esse momento tão ansiado pelos espíritos que ainda se mantêm puros? A mundividência que os nossos olhos diariamente des-velam parece mostrar que jamais há possibilidade de um regresso ao “Paraíso Perdido”. Senão vejamos: vivemos o ódio e a disputa desenfreada entre as Nações que, por interesses económicos ou políticos, se dispõem a matar, a destruir brutalmente todos os obstáculos que se lhes apresentam e tendem a coarctar as ideias indigentes dos sistemas totalitários, intencionalmente disfarçados de democráticos.

O valor da dignidade humana, da Pessoa tomada em si mesma como um fim e não como um meio, foi aniquilado pela maioria dos Países que, só em teoria, o respeitam. Em primeiro lugar – dizem eles na sua retórica habitual – estão os valores da Pátria (que grande mentira!) encobertos pelo frenesim económico do lucro pelo lucro, pelo prazer do poder pelo poder, circunscrito a uma minoria que se auto-classifica como peremptoriamente capaz de defender os Direitos Humanos, porém, só por detrás das armas que, indiscriminadamente, fazem jorrar o sangue dos inocentes.

Alucinados nos mantemos neste céu de trevas, obscurecedor dos espíritos manipulados por uma escala axiológica inversa, comandada pelo valor imperativo do dinheiro, por sua vez, acompanhado pelo poder político sem escrúpulos, que o faz crescer tão-só nas mãos de alguns que desgovernam o Mundo.

Nesta corda bamba, não mais manobrada pelas hábeis mãos do equilibrista, continuamos a assistir ao subdesenvolvimento dos países do 3º Mundo, onde reina a fome, a escravidão, a insolência, a má fé, a falsa solidariedade e a intransigência, o des-humano. Para sermos ainda mais claros e realistas: o Inferno vivido em vida, entre outros anti-valores de que os nossos rostos, sorridentes, se deviam envergonhar aquando de cada lágrima derramada dos olhos das crianças atiradas para a guerra, que já nem o Céu têm como horizonte possível.

Assistimos, todos os dias, pela televisão ou pelos jornais, a estes cenários degradantes. E nenhum de nós se pode declarar como intocável, como irresponsável perante estas mazelas que por todo o Mundo assomam, de forma mais ou menos visível ou dissimulada. Até nos podemos lamentar. No entanto, nada fazemos, de facto, para as eliminar ou minimizar.

Sabemos que o palco do Mundo caminha nas franjas da barbárie (nem sempre des-ocultada), de um modo cada vez mais assustador. Mesmo assim, permanecemos calados ou, então, mostramos apenas a nossa revolta num grupo restrito, cuja voz ali se encerra, olhando os “coitados” que sofrem.

Afinal, jamais deixamos de pensar interrogativamente: «Quem sou eu para mudar o Mundo?» (odeio frases feitas!). E assim voltamos à apatia de sempre, bem mais cómoda do que qualquer cogitação de uma possível luta real, posta em marcha, pautada pelos ideais em que acreditamos. Outras vezes, acrescentamos – porque nos convém para mascarar a nossa ausência de atitude imediata – que a “culpa é do Governo”, o eterno bode expiatório das culpas que do nosso cartório estamos sempre prontos a descartar.

Não é propício, não é promissor para a minoria acabrunhada – que esta rampa ambígua vai suportando por detrás de um permanente e abafado não-dito –, nem para a maioria indignamente imperante, que sobre esta realidade meditemos de rosto aberto, em voz alta (ai a maldita censura disfarçada!).

Levados pelas correntes da demagogia, vendamos os olhos de molde a que as atrocidades não nos façam pesar a consciência; obturamos os ouvidos com o intuito de não escutarmos mais os gritos aflitos de milhões de pessoas – nossos pares, por essência – que amarguradamente mendigam um simples pedaço de pão que os seus corpos famintos nutrifique, um simples sorriso ou uma palavra realmente solidária, que os seus desalentados espíritos console.

Não fazemos mais jorrar o sangue que Cristo nos doou pelas almas sedentas de Paz. Não compartilhamos mais o seu corpo com todos os outros corpos que almejam um abrigo sereno no “Monte das Oliveiras”. Não dividimos mais o pão por todos os outros de nós mesmos, também sobreviventes, neste Mundo demente.

Isabel Rosete
Abril de 2011