sábado, 17 de setembro de 2011

Gotas de solidão


Gotas de solidão apertam o meu peito

Amargurado pelas trilhas da vida

Vazias num só e único passo

Deambulante como o vento

Em noites de dilúvio.


Encontro-me em cada gota

Da minha solidão

E da solidão de todos os outros,

Também abandonados

A uma sorte não-escrita,

Não-dita, nem sequer balbuciada

Num qualquer borda - d’água.


Nas gotas da solidão

Invertem-se todos os espelhos,

Que já não são speculum,

Que já não reflectem

A mão ao longe estendida

À minha alma nua e desabitada.

Isabel Rosete
Na boca do Poeta


O poder das palavras afirma-se

E presentifica todas as coisas,

Visíveis e invisíveis, na boca do Poeta.

A sua força de criação e de re-criação

Vivifica-se no mesmo instante

Em que o Mundo se torna claro,

Apesar dessa obscuridade que o enforma,

Das manchas cinzentas

Que escondem o brilho do Sol,

Ou das nuvens que já não são brancas

E anunciam chuvarada.


Pelas palavras ditas e não-ditas,

Nesse segredo remoto das entranhas,

O Poeta des-vela as essências.

Os artefactos tornam-se visíveis

Na sua opaca limpidez, sem paradoxos,

No deslumbre de uma vida que se rasga

Para não se unir, nunca mais,

Ou para se unir, para sempre.

Isabel Rosete
Processo de escrita



As ideias ocorrem, escorrem.

Espalham-se num aberto continuado.

Surgem num ápice eufórico.

Escrevo-as sem que as precipite.


As palavras revelam-se, impõem-se-me

Sempre em cadeia ininterrupta

Sem que as des-oculte propositadamente

Na imediatez do raciocínio que se eleva.


Escrevo. Simplesmente escrevo

O que o meu pensamento me dita

Num ritmo vertiginoso, quase alucinatório,

Que as minhas mãos nem sempre acompanham facilmente.


Assim digo o Mundo no seu ser e no seu estar

Mutante e perene, num raio apaixonante,

Que a folha de papel em branco ilumina.

Assim caminho no balanço das vogais

E das consoantes que nunca me traem,

Que clareiam o meu dizer na transparência

Da Linguagem que é a “Casa do Ser”.

Isabel Rosete