terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Se se apagar a Luz da minha Alma,
Definho
Em todo o meu ser
De pó e miséria,
De colapso…

Isabel Rosete

"A escrita do Mundo", por Isabel Rosete, com comentário de Luiz Pires dos Reys

Duvido que seja eu quem escreva
Neste vale de lágrimas impetuoso,

Sem deuses
Sem homens
Sem destino!

Agarro a Vida por um só fio
Tão subtil
Tão leve
Tão frágil…
Como o das asas dos pássaros migratórios.

O sussurro do Mundo envolve-me
Embala-me
Afaga-me
Num lento e doce caminhar.

Sinto-me leve
Abandonei todos os grilhões
Todos os freios
Todas as limitações.

A minha alma eleva-se
Confunde-se
Com as nuvens
De um céu claro
Transbordante de serenidade.

Entrou
Por um momento
Em harmonia consigo mesma
E com o Mundo;

Fechou
Por parcos minutos
Os olhos à hipocrisia
À mediocridade
Ao vil
Ao comum;

Enaltece-se,
Agora,
Com a grandiosidade do Universo;

E venda os olhos
Aos horrores humanos.


Isabel Rosete
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Comentário de:
Luiz Pires Dos Reys 20/12 às 23:21
Cara Isabel,

Há palavras e sentires que exigem recolhimento ou recato que certa forma de pórtico ou praça pública aconselham a que se evitem.

Este seu poema "A Escrita do Mundo" (aliás, poderia dizer o mesmo dos seus últimos outros poemas, na sua generalidade) mostra, entreabre uma greta, uma fissura, uma entreabertura de tal forma aguda e intensa, feita de tensão paradoxal e de tão vívido drama íntimo que quase dói lê-la, tal a sinceridade mesma que, ao mesmo tempo, a Isabel tenta não desnudar de um modo que possa porventura mostrar mais que o justo pudor da intimidade da alma e do espírito sempre aconselhem a que se preserve.

As frases afirmativas são quase punjentes de tanto sentir-se serem escritas como que sobre uma espécie de lâmina que vai em crescente gume de sentir:

"Duvido que seja eu quem escreva"; "agarro a Vida por um só fio"; "o sussurro do Mundo envolve-me" - eis três destas lâminas de sentir. A primeira duvida, para tudo abrir e a tudo abrir-se; a mediana é como que um ímpeto de "empowerment"; a última é escuta do segredo sussurrante de tal gume.

Onde se passa isto? "Neste vale de lágrimas impetuoso"

Com quem ou o quê? "Sem deuses / Sem homens / Sem destino!"

De que modo? "Tão subtil / Tão leve / Tão frágil…"

O que tal faz em quem o sente? "Embala-me / Afaga-me / Num lento e doce caminhar."

O que provoca? "Sinto-me leve / Abandonei todos os grilhões / Todos os freios / Todas as limitações."

E, enfim, que resulta isso? "A minha alma eleva-se / Confunde-se / Com as nuvens / De um céu claro / Transbordante de serenidade."

A que paragens se alcandorou? "Entrou / Por um momento / Em harmonia consigo mesma / E com o Mundo"

O que conclui? "Enaltece-se,/ Agora,/ Com a grandiosidade do Universo"

O que decide? "E venda os olhos / Aos horrores humanos."

Com tudo sou abismicamente síntone e concorde consigo, irmã poeta. Que não numa apenas: no que decide.
Salvo se uma tal venda seja para melhor e mais fundo e mais alto ver além do que, ainda que seja de horror, sempre tem velada mão do Inominável que sempre de outro mais supreendente modo nos rasga de espanto o peito do olhar: em um sentir que é um pensar que compassivo ama, sem condições de imposição alguma.

Muito grato pelo dom da sua poesia, nela trazendo-me a sua mais "álmica" profundeza.

Abraço,

L-