terça-feira, 5 de junho de 2012



O BEIJO DA ESCRITA E DA TERRA, por Isabel Rosete

Escrevo na doçura de um beijo,
Na meiguice do olhar dos outros
Meus pares na sinceridade do ser-se,
Nos comoventes espaços silenciosos
Dos entre - sons da linguagem originária,
Nas pausas suspensas da escrita
Das palavras ditas e não-ditas
Em estados de espírito de uma certa alegria
Pela gratuitidade da Existência primeira,
Ou de depressão e a náusea, de inquietação
E revolta face aos desajustes deste Mundo
Hipócrita e insolente, que só me provoca cansaço.

Mas... que cansaço! Mas... que cansaço!
Mas... que cansaço, este de ser poeta consciente!
Mas... que cansaço, este de ser poeta vidente!
Mas... que cansaço, este de ser poeta da lúcida
                                           [Embriaguez do ópio!

Ah, como de dói este cansaço do sobreviver
Por entre as ervas daninhas dissimuladas,
Espalhadas como pragas de mosquitos por
                                             [todos os lados,
Minando os terrenos férteis da Verdade!

Escrevo no seio do Grito Universal do Pensamento,
Nascente musical dos interstícios da Terra silente.

Aí estas, ó Terra, debaixo dos nossos pés,
Que te espezinham ou alisam no carinho de uma bênção;
Aí estás, ó Terra, ao alcance das nossas mãos,
Que te destroem ou salvam no dom da dádiva.

Aí estás, ó Terra, rodando em torno do teu próprio círculo;
Aí estás, ó Terra, rodando em torno de todos os outros
                                                              [círculos possíveis;
Aí estás, ó Terra, rodando no Aberto de todos os Pensamentos
                                                                                    [redondos,
Que aniquilaram os Pré-conceitos das vexadas mentes
Quadradas, estagnadas nos domínios da Vã-Glória.

Isabel Rosete, Ílhavo, s. d.
Figura: Escultura de Rodin, "O Beijo"

MEMÓRIAS INTEMPORAIS, por IR


Amo-te nesses recantos de luz e sombra
Escrevendo em sobressalto,
Invadindo os confins do Cosmos
Onde o Amor é completamente livre.
Aí, não o temo!
Recolho-o em todas as suas extensões
E formas, em todos os seus tentáculos.
Entro num estado pleno de polvo andante,
- Mais ou menos desconcertado -
Pelos caminhos dos seus braços:
Os da graça de um Amor, quiçá perene,
Eterno – aquele que desejo possuir
Até ao fim da minha existência consciente.

Já não fujo nem de mim, nem de ti,
Nem da Vida, nem da Morte, nem dos entre – estádios.
Cheguei à Eternidade pelas nossas escritas
De dizere(s), para sempre, no silêncio dos nossos segredos
Guardados em memórias intemporais.
E assim te amo na plena ausência de todos os limites.

IR, Ílhavo, 09/02/2011

PALAVRAS VIVAS, por IR

Semeio as palavras vivas da Vida
Nos oásis do meu pensamento,
Sempre prenhe de fertilidade.
A água abunda
E as areias não são secas nem agrestes.
Os catos, apesar dos seus espinhos,
São o berço que balança e acolhe
A minha escrita, sem nunca a adormecer.

Colho os frutos dos símbolos e dos signos,
Onde se reúnem todas as metáforas
E se congregam todos os espelhos.
Reflectem os labirintos, por dentro,
Mesmo quando não há saída visível.

IR, Ílhavo, 06/05/2012


Processo da escrita, IR


As ideias ocorrem, escorrem
No caudal dos rios da Língua
Que as suporta e transmite;
Espalham-se, difundem-se
Num aberto continuado
No bloco de notas que sempre as espera
                                                   [e acolhe;
Surgem num ápice eufórico.
Têm de ser ditas e registadas
Para que a serenidade volte
Ao meu pensamento desassossegado.
Escrevo-as sem que as precipite.

As palavras revelam-se, impõem-se,
Sempre em cadeia ininterrupta
- Como a água das fontes derramada sem cessar -
Sem que as des-oculte, nunca,
Na imediatez da percepção dos sentidos.

Escrevo. Simplesmente escrevo
O que o meu pensamento me dita
Num ritmo vertiginoso, quase alucinatório,
Que as minhas mãos nem sempre acompanham.

Mãos, instrumentos do Pensar e do Dizer!

Assim digo o Mundo no seu ser e no seu estar
Mutante e perene - num raio apaixonante -
Que o papel, antes vazio, reflecte e ilumina
Após o seu preenchimento total, nunca ingénuo;
Assim caminho no balanço incerto dos substantivos
Dos adjetcivos, dos pronomes... que nunca me traem,
Que clareiam o meu dizer na transparência
Da Linguagem, a “Casa do Ser”.

IR, Ílhavo, s. d.