terça-feira, 17 de janeiro de 2012


São tantas as recordações das nossas fantasias
Deixadas em cada pétala que ainda não murchou,
Em cada folha ainda não enrugada pelo orvalho
Matinal a que sempre resiste!

Regressa a cor própria da Alegria esfuziante
E aquela necessidade imperiosa de cantar,
Que sempre afasta os abutres disfarçados
Sedentos do nosso sangue.

Dançamos, dançamos, dançamos...
Nas dunas junto àquela praia que sempre
Escondeu os nossos corpos nus
Banhados pelo suor sedoso que os nutre.

IR, Ílhavo, 15/02/2011
Auto-Retrato

“Voltei a mim. Falei.”

Escrevo até à exaustão do sentir
Em cada noite que permaneço
Em estado de alerta.
Acompanham-me as Estrelas,
A Lua, a chuva, os ventos do Norte
- sempre sopram,
com toda a sua intensidade devoradora,
nas margens deste meu litoral -
Trazem-me a Paz
E a minha lucidez engrandecem.

As palavras sempre fluem...
Soltas ou conjugadas.

O sono teima em não chegar
Face a essa ânsia incontrolável
Do Pensamento que quer ser dito,
Dessa Voz que se quer erguer
No silêncio das folhas ainda soltas.

Tudo é fonte de inspiração!
Tudo impele ao mais simples
E implexo dos modos do Dizer!

Todo o pensado deve ser dito!
Tem que ser dito!

O pensamento comanda a mão
Que, velozmente, escreve.
Um pensamento redondo!
Jamais se quer conter
No seio dos limites esferoidais
Da circunferência que o envolve
E move, e move...

As ideias rodopiam.
Tornam-se visíveis.
Mostram-se ao Mundo...

O meu pensamento
Não quer calar mais a sua voz!
Grita, expande-se, exterioriza-se...
Com outros pensamentos
Pretende entrecruzar-se e recolher
A mais nobre seiva que alimenta
As outras mentes, monadologicamente conjugadas,
Com portas e janelas, viradas para o Aberto
Do esplendor das Ideias.

IR, Ílhavo, s. d.










Duvido que seja eu quem escreva
Neste vale de lágrimas impetuoso,
Moribundo, de penas leves
Ou pesadas, carregadas num espaço
Nem sempre aberto aos deuses,
Aos Homens, ao Destino.

Escrevo. Sempre escrevo
Agarrando a Vida por um só fio
Tão subtil, tão leve, tão frágil,
Como as asas dos pássaros migratórios.

O sussurro do Mundo envolve-me
Em cada acto de escrita;
Embala-me, afaga-me
Num lento e doce caminhar,
Por onde os passos das palavras
Me conduzem, à beira rio.

O mistério da escrita espreita-me
Em cada página ainda não preenchida.
Sinto o ligeiro sopro da brisa
Que o lápis sempre me traz às narinas.
Abandono todos os grilhões,
Todos os freios, todas as limitações,
E escrevo na liberdade do meu canto.

A minha alma eleva-se, purificada.
Confunde-se com as nuvens
De um céu claro
Transbordante de serenidade.
Entra, por um momento,
Em harmonia consigo mesma
E com o Mundo.
A Felicidade regressa como se
Nunca se tivesse afastado de mim.

IR, Ílhavo, 06/06/2011
Entre-vidas

A Mário de Sá Carneiro

Quasi vegetativo, o moribundo
Adormece no seu leito de morte
Desamparado pelos que já não o sentem.
A chegada da morte aproxima-se.
E a morte é coisa para se viver só.

IR, Ílhavo, 17/07/2011

A Rainer Maria Rilke

Começo

Pousada no virgem canto dos pássaros,
Permaneço escrevendo, em todas as grafias,
Nas alturas das íngremes montanhas
(Nem sempre agrestes)
Da minha infância abandonada,
Pensando com a minha alma de criança
Nesse passado tão presente,
Parte responsável pelo que hoje sou.

São, agora, os pássaros da minha varanda
- Que me falam e me recordam das travessuras
De infante, no impulso da minha alegria interior -
Outrora visitantes do pátio da casa da minha mãe.
Sempre vão; sempre voltam
No seu eterno peregrinar sazonal.
A minha alma esvoaça na liberdade
Das suas asas extensas em pleno vôo.
Torna-se completa no seu corpo
Frágil e inseguro.
Canta o seu canto,
Consciente da efemeridade que a persegue;
Sorri nos risos que já não riem,
(mesmo que a solidão e a tristeza se imponham)
Consciente da sua pequenez
Face aos grandiosos mistérios do Mundo
Que não vê, mas escuta no pulsar primordial
De todo o acto de Criação que a eterniza.

Ah, tudo o que acontece, neste passado
Ou neste presente, é sempre um princípio,
Um começo!
E o princípio não terá em si o seu próprio princípio
No retorno, eterno ou não, do mesmo e do outro?

“Há tanta beleza em tudo o que começa!”


IR, Ílhavo, 4/01/2012