domingo, 19 de maio de 2013

A Poesia, por Isabel Rosete



A Poesia, qual desabafo da Alma-Corpo de alguns seres humanos, sempre nos chama e clama, indeterminada e incondicionalmente; sempre nos acolhe e recolhe em todas as momentos da nossa Existência de prazer ou de felicidade, de tristeza ou de infortúnio, de glória ou de satisfação.
As palavras movem-nos e comovem-nos; chamam-nos, apelam-nos, para ver o invisível, para escutar o que, por vezes, nos parece inaudível, para cheirar e saborear o que é e há de mais puro e mais genuíno neste Universo imenso da Sensibilidade, da Inteligência, da Racionalidade e das Emoções que, naturalmente, somos.
A palavra poética é o espelho, de vivo e intenso reflexo autêntico, do Homem, da Natureza, do Mundo, de todas as coisas que são, que já foram ou que, ainda, serão. Não tem tempo! Não tem idade! É sempre jovem, actual e pertinente! Nunca envelhece!
A Poesia é – por estas e por outras razões que lhe estão patentes e não precisamos, portanto, de enumerar – a grande arma da Revolução, da Construção, da Criação, da Invenção, num crescendo continuado, que vai ao Infinito, ultrapassando todas as fronteiras possíveis do Tempo e do Espaço, que nela se perpetuam, ad eternum.
Sejamos poetas de Corpo e Alma!

Isabel Rosete

PEREGRINOS, Por Isabel Rosete



Escrevo, quase chorando,
Num cubículo, quase fechado,
Do meu apartamento
Com grandes janelas
Por onde entra quase toda a luz possível.

Agora, já-já, vou sair,
Caminhar, lá fora,
À luz directa do Sol desanuviado,
Pelas ruas da minha cidade,
A dos Ílhavos, navegantes por muitas
E longas paragens.

Sinto-me como uma peregrina,
Tal como eles e tal como tu, Van Gogh,
Em tantos mares,
Em tantos caminhos do campo,
Sem navio e sem cavalete,
Sem leme e sem uma variada paleta de cores.

Só tenho inspiração, papel e lápis
Para me escrever,
Depois de me passear
Com a minha cadela, ao lado e atrás dela.

Cada um dos meus poemas é um dos Diários de Bordo,
Onde os Ílhavos deixaram o seu rasto;
Cada um dos meus poemas é uma das tuas telas, Van Gogh,
Onde também te escreves-te,
Tal como nas tuas cartas, ao teu irmão Theo,
O teu confessor e protector;
O deles, o Nosso Senhor dos Navegantes ‑
Não sei se também o meu! ‑
Ali, exposto em imagem,
Na Igreja Matriz de Ílhavo,
A quem veneram por os ter salvado da morte no mar.

A ti, Van Gogh, ninguém te salvou!
A mim, se eu não me salvar,
Alguém me salvará?

Tenho esperança nesses braços abertos
De sinceridade e de salvação desse outro ‑
Não sei quem seja! ­
Aí, diante de mim,
Não com olhos de pena,
Mas com olhos de dádiva
Erguidos, no Aberto,
Para que uma nova Vida me bafeje,
Longe destas mágoas,
Deste meu desfazer constante,
Deste meu complexo de alma-corpo
Tão martirizado quanto o teu e o deles,
Nesses mares mais tormentosos do que mansos,
Nesses campos de solidão,
Em luta pela Vida.

Que a Morte me espere!
Eu não quero esperar por ela.

Até já!

Isabel Rosete
Imagem: Jardim Oudinot, Ílhavo, Navio Museu Santo André
HOMENS-DE-BARRO, por Isabel Rosete

Ah, os Olhos dos Homens-de-Barro,
Filhos legítimos da Terra!
Aonde estão?

Os Olhos dos Homens-de-Barro
Caem-me nas mãos 
Mesmo que criados por Deus 
Com a grande dádiva do Ver.

Também falam e escutam:
Falam das entranhas nunca vistas;
Escutam todas aquelas vozes,
Há muito silenciadas, e dizem-nas,
E repetem-nas,
Para que nunca mais deixem de ser ouvidas.

Oh, Olhos videntes do invisível
Que tudo vedes por dentro!
Nunca vos cansais de Ver?

Oh, projectivas Vozes anunciadoras
De todas as realidades futuras,
Alertas do que há ainda por des-velar
Neste mundo de esconderijos!
Não vos caleis nunca mais?

Isabel Rosete
Pintura: Salvador Dali