segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Deixa-me amar-te
Na sombra dos traços finos
Desse teu corpo nu,
Sem braços,
Sem memória.

Não vou desistir desse amor
De ilusão ou de realidade
Que me escondes e negas
Depois do sobressalto imediato,
Intenso, de uma noite, só.

Há um futuro a construir
Nas paragens desse sentimento
Que, vivo ou morto,
Há-de continuar,
Perpetuar-se nos labirintos
Das recordações
Por... entre-corpos.

Isabel Rosete
O que esperamos?

que esperamos desta Humanidade,
Assim transviada?
O que esperamos deste Mundo cruel,
Indigno para os seres puros?
O que esperamos da ausência de senso
Dos que, pressupostamente,
Comandam as nossas vidas?

- Esperança, ora! A Esperança!
Ah, a Esperança!
Quanto a procuramos, quanto a desejamos
Em nós e me todos os outros!

Mas que Esperança?
A da mudança do caos para a ordem?
Vislumbrais outra?


Instalado o caos, como ordem,
Apenas nos resta permanecermos
No reflexo de uma qualquer espécie
De expectativa - quiçá, possível –
De uma ordem humana que nos ampare.

Até quando?
A luta será sempre a mesma
Num eterno retorno do outro e do mesmo!


Isabel Rosete
19/12/2008
27/12/2010

domingo, 26 de dezembro de 2010

NASCIMENTO E MORTE DE CRISTO: O ESPÍRITO DO NATAL

Por: Isabel Rosete

De um certo ponto de vista, o da universalidade, não há propriamente data determinada nem para o nascimento, nem para a morte de Cristo – essa extraordinária e iluminada figura que a História nos doou, quiçá por vontade de Deus –, para além daquelas que são assinaladas no calendário.

Não obstante estarmos em época de celebração cronológica do nascimento de Cristo e, por extensão, da Paz, da Solidariedade, da Luz, da Verdade, do Bem, do Amor, da Amizade, ou de outros valores que enaltecem a essência divina da Humanidade, não nos podemos esquecer que o Mundo continua a sofrer, a ser martirizado e crucificado como Cristo o foi, um dia.

Iludir a realidade presente e futura, pelo véu das comemorações tradicionais, não faz a Humanidade pensar, reflectir, sobre esse sofrimento, físico e psíquico, de que ela mesma é vitima, a partir das suas próprias mãos, manchadas, amiúde, pelo sangue jorrado dos corpos inocentes, pelas lágrimas das almas moribundas pela ausência da Esperança prometida.

Enquanto uns estão à mesa, na noite de ceia, a confraternizar com as suas famílias, em suposta paz e alegria, deliciando-se com o mais requintado dos manjares, trocando os mais caros e belos presentes, outros morrem de subnutrição, são vítimas de balas perdidas, da má fé, das guerras injustas, da violência gratuita, da inveja e da discriminação sem fundamento plausível.

Claro que este texto que escrevi a propósito de uma discussão com amigo meu sobre o filme de Gibson, “A Paixão de Cristo” é, naturalmente, provocatório, propositadamente provocatório, se nos centramos, apenas e redutoramente, no vulgar contexto natalício que estamos vivendo.

O objectivo é mesmo esse: abanar as consciências, incitar as mentes à mais profunda reflexão, fazer renascer o espírito crítico, por detrás de todas as máscaras ou de todos os discursos demagógicos sobre a bem feitoria.

O Sofrimento, a Maldade, a Violência, a Crueldade, a Fome, a Angústia… – constatações óbvias para quem as quer ver não acabam pelo simples facto do Natal estar a ser comemorado. Lamentavelmente, continuam, embora de um camuflado nos meandros do consumismo ilusório de uma certa felicidade rebuscada.

Recuso-me a ludibriar a realidade; recuso-me a compactuar com a hipocrisia dos homens, que só se lembram, aberta e publicamente, que há mendicantes, crianças e velhos moribundos e desamparados, povos em guerra e em degeneração total, quando o Natal é, oficialmente, festejado.

A memória dos Homens deve deixar de ser curta; a memória dos Homens não deve ser apenas testada assim como a sua humanidade, ou pseudo-humanidade quando o socialmente instituído é solenizado.

O Espírito do Natal jamais se deve restringir aos dias 24 e 25 de Dezembro. O Espírito do Natal deve estar presente em todas as criaturas, todos os dias, durante o ano inteiro, ad eternum.

Quiçá, todos já o pensaram e já o disseram. Porém, o Espírito do Natal não é posto em prática quotidianamente, todos o sabemos, a não ser em momentos de catástrofe e, mesmo assim, de um modo meramente imediato.

As luzes que, incandescentemente iluminam as ruas, não conseguem eliminar a miséria humana, pelo menos aos olhos daqueles que vêem sempre mais longe, para além das aparências, das convenções, dos preconceitos, ou do chamado politicamente correcto.

Isabel Rosete
26/12/2010
Sejamos Natal


Para além de todas as demagogias,
Para além do politicamente correcto,
Para além de todas as hipocrisias,

Celebremos, finalmente, o Espírito do Natal
Em todos os momentos
Desta nossa existência, tão efémera.

Natal é Fraternidade, Solidariedade, Paz,
Amor e Alegria na Terra
E nos Corações dos Homens.

Natal é a apologia do autenticamente Humano,
Em toda a sua essência genuína
De Bondade e de Verdade.

Natal é o enaltecimento de um Mundo
Onde não haja mais lugar para a Crueldade,
Para a Violência ou para a Agressividade.

Natal é a reunião dos Corações sensíveis
Que lutam, desesperadamente, pela União dos
Povos e das Nações.

Natal é a rejeição da Discriminação,
Dos horrores da Guerra,
Da mutilação dos Corpos e das Almas.

Natal é a consciência da Miséria Humana,
O compromisso da sua superação,
O enaltecimento da Justiça e de todas as Uniões.

Natal é o triunfo do Bem e do Belo,
A glória de todos os Renascimentos,
A comemoração da Dignidade Humana.

Natal é a benção do sempre Novo,
O louvor de todo o acto de Criação,
De Renovação e de Regeneração.

Sejamos Natal,
Hoje, sempre,
Para sempre.

Isabel Rosete

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Não sossegas
Oh, minha alma
Na paixão dos des-encontros!

Vagueias pelo corpo luminoso
Do teu amante,
Que não está.
Palpitas,
Arritmadamente,
No seio do teu coração
Tão ansioso!

IR
É tudo tão estranho
No Amor!
Tão incompreensível
Tão indecifrável!

Por vezes,
Chovem lágrimas
De paixão exacerbada,
Sem freios de qualquer espécie!

Por vezes,
O Universo está nos amantes.
Os seus corpos enrolam-se
E desenrolam-se
Por entre a chuva intensa,
Que não pára mais!

Por vezes,
Chovem lágrimas de amargura!

Por vezes,
O coração fica despedaçado,
A alma retalhada
A mente em turbilhão
Intelectual contínuo, sem dó!

Por vezes,
O corpo
Amortecido e inquieto!

E a chuva não pára mais!

IR

domingo, 12 de dezembro de 2010

Talvez viva um mundo que não existe,

Talvez viva um mundo que é só meu

Numa solidão imensa que me atrofia,

Por dentro, no mais íntimo de mim.

IR, 13/12/2010

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Mais uma homenagem que faço a Saramago, com este texto escrito no dia da sua morte, inspirado nas obras "Ensaio sobre a Cegueira" e "Memorial do Convento":

Da cegueira das mentes brancas
(Para Saramago)

Ah, aquela cegueira branca

Que cega o Amor, a Morte,

A Vida, o Corpo, o Pensamento,

Que fustiga a Alma em todo o seu ser!


Todos são vítimas! Ninguém escapa

Ao opaco, á ausência de transparência

Da luz que não mais se vê,

Nem no princípio, nem no fim,

Dos canais que vão dos olhos

Até ao cérebro.


Só há corpos! Não há olhos!

Só há lentes! Não há olhos!

O Mundo tornou-se invisível.

Nada se vê!

Só se ouvem vozes, tão próximas

Quanto distantes do corpo

Que só se sente, porque se tacteia;

Do corpo que só sente, porque se presente.


Ah, esta maldita epidemia

Que desventurou a humanidade

Já desventurada

Com o “Não” do visível,

Com o “Sim” do audível

Que, ainda nos resta!


Revirai os corpos e os olhos,

Os ouvidos, todos os sentires

Agora despertos pela cegueira

Do branco luminoso.

Atrevei-vos, nem que seja uma vez só!


Não há mais nenhuma maldade tamanha

Que na Terra possa surgir: o erro,

O engano do Ver, que não é visível,

A fraude do Olhar que olha, mas não vê,

O invisível aos olhos...


Cataratas, glaucomas, miopia...

O nevoeiro, o turbo, o vazio,

O opaco... a cegueira da cegueira...


Não há Lua, não há Sol, não há Estrelas!

Nada brilha por entre a multidão histérica

Dos cegos corpos enfurecidos.

Instala-se o caos, não o dos olhos

Da cara, mas o dos olhos das mentes.


Acabaram-se os filtros, os entre-meios,

Os meios-termos...

Os limites apagaram-se.

Tudo se torna possível!


Que moral, que pudor, que pré-conceitos?

Que regras do nu ou do vestido?

Que solidariedade de corpos e de almas?

Que tolerância pelo Amor próprio?

Que tolerância pelo Amor do outro?

Que caminho? Que guia?


Resta-nos Blimunda! A “Sete-Luas”?

‑ Sim, essa mesma. Mas, essa...

Mas, essa... só vê por dentro e de olhos

Fechados num corpo, ainda, virgem!


‑ Desgraça, desgraça... Que desgraça!

É o Humano! Porém, esperai. Não vos

Apresseis. A Luz chegará; o Sol voltará

A iluminar-nos; as Estrelas a cintilarem

E a Lua a mostrar, claramente,

Todas as suas faces.


O Céu voltará a ser azul e não mais branco:

‑ “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.


Isabel Rosete
Nas “Montanhas do Coração”


Por Isabel Rosete

«”Levar a termo e dar à luz” – eis tudo. É preciso deixar cada impressão, cada gérmen de sentimento amadurecer em si, no obscuro, no inexprimível, no inconsciente – essas regiões fechadas ao entendimento.»


Movendo o nosso discurso pelas entranhas da obra poética e epistolar de Rainer Maria Rilke (1875-1926), pretendemos auscultar a mais íntima musicalidade que invade a escuta do Poeta Praga, cantor do canto da Terra, “em tempo de infortúnio”, na solidão do seu ser e do seu estar, em desassossego perpétuo.

Adoptou como Pátria a Poesia, o único lugar sagrado isento de fronteiras materiais, situado para além do tempo e do espaço fisicamente determinados, circunscrito apenas pelo Espírito Universal, que dialecticamente se move em todas as direcções. Com agilidade, voa o espírito do Poeta «para bem longe dos mórbidos miasmas:/ Tenta purificar-se no ar superior / E bebe, como um puro divino licor, / O branco fogo que enche os límpidos pedaços.»

Distancia-se dos Homens para encontrar a felicidade, a riqueza e a insondável grandeza da Natureza. Ama os animais e todas as coisas que a integram, como São Francisco, numa serenidade quase celestial. Acolhe-se nas sombrias noites das cidades modernas, tão densas quando a massa do Mundo. Refugia-se nas longas noites estreladas, contempladas do “Castelo de Duíno” ou da “Torre de Muzot”, que iluminam a sua alma solitária, dolorida pelo Amor, que não compreende.

Caminha, solitário, por este Mundo imenso, para que o barulho ensurdecedor das vozes humanas – sempre dispersas, sempre em “con-fusão” e rebelião por causas perdidas – não o impeçam de ouvir os “ex-traordinários” silêncios da Natureza, companheira de todas as horas, mãe, irmã e divina Mestra.

Só a solidão, o seu lar e ponto de apoio, lhe parece necessária. O seu crescimento é doloroso, como o das crianças. Triste, como a “ante-Primavera”. Caminhar, apenas consigo próprio, vaguear, durante algumas horas e não encontrar ninguém, eis ao estado existencial a que pretende chegar, acobertado pelo silêncio infinito do mundo interior, inaugurando “um novo começo, sinal, transformação”, tão-só através do “templo do ouvido” .

O Poeta manifesta, desde cedo, uma necessidade inata de transformação e de renovação, que o impelem, de modo imperativo, a vagar pelo Mundo, a abandonar a esposa, a família e os amigos. Escrever, compulsivamente, é o acordo que estabelece com a realidade, movido pela urgência de registar todos os pormenores sentidos, vistos ou escutados, para os transformar no testemunho vivo do seu peregrinar. Segue à parte das realidades sociais e humanas. Permanece só, na “solidão interior”, “por essência grande, pesada e difícil de suportar”, embora também fonte de crescimento, de aprendizagem e conhecimento.

Assim o reitera Rilke, convictamente, na sua condição de poeta errante e homem solitário: «o “homem de solidão” é ele próprio uma coisa submetida às profundas leis da vida. E quando um desses homens ergue o seu olhar, de madrugada ou ao cair da noite – essa hora cheia de realizações – e sente o que se está consumando, esse homem despoja-se de qualquer condição como se estivesse para morrer, se bem que só então entre na verdadeira vida.»

A todo o momento revela uma personalidade consciente e perseverante – apesar de frágil e inquieta, de uma hipersensibilidade indescritível – erguida sob a base da realização de um determinado efeito poético, presente em todos os temas sobre os quais reflecte: os Anjos, belos e terríveis ; a vida interior, na sua profundidade absoluta; as rosas, abertas, tão soltas e dispersas no seu desfolhar, inumeráveis flores, objectos inesgotáveis; a mudança, na «INSTÁVEL balança da vida / sempre a oscilar», «sempre em mutação” ; as fontes, bocas que doam e falam do uno puro e inextinguível, máscaras de mármore de onde jorra a água corrente; a vida e a morte, “opostos complementares”, umbilicalmente reunidos, enquanto partes integrantes do mesmo Todo, da Unidade primordial.

Rainer Maria Rilke é, ainda, um poeta da Morte, esse outro lado da vida que não vemos, que não está iluminado para nós; do silêncio, que «colocou para sempre o rosto humano / na balança das estrelas» e do qual espera “o magnifico presente de horas boas e belas” ; da angústia e da reclusão, estados perenes de criação que perpassam toda sua vida; do indizível, onde as palavras se esgotam e «a música sempre nova, vinda das pedras mais frementes, / constrói no espaço inútil a sua casa divina» ; das coisas visíveis e invisíveis, jamais dissimuladas em algum momento, porque pertencentes às grandes realidades da Vida, por si próprio desnudadas.

Porém, a Vida, na sua materialidade, não tem a mínima realidade. Só a vida interior é alvo das suas meditações. Só os fenómenos do subconsciente têm, efectivamente, um valor real. Só as ideias abstractas possuem, de facto, uma existência concreta.

Embora não se tenha vinculado a nenhuma escola ou tendência poético-literária, mesmo não tendo defendido, propriamente falando, nenhuma teoria ou sistema, Rilke conduz os seus leitores ao âmago das categorias estético-filosóficas do Modernismo. É, por excelência, um escritor modernista, apesar da sua poética se ter iniciado com composições de estilo impressionista, integradas na concepção decadentista, tão característica da sua época.

Envolto por esta ambiência, concebe as obras de arte como “seres vivos e secretos”, auras misteriosas do Ser cuja vida não tem terminus, contrariamente à nossa, que cessa em escassos momentos de efemeridade. Só os “bons poemas”, enquanto obras de arte assim consideradas – «uma obra de arte é boa quando nascida de uma necessidade», sendo apenas «a natureza da sua origem que a julga» – têm existência própria, autonomia ou independência determinada. Por isso, só os “bons poemas” são dignos de ultrapassar as fronteiras do perecimento, eternizando, mantendo vivo, o autor que os lavrou.

A obra de arte, em geral, e a Poesia, em particular, tornam-se um acto inexprimível racionalmente. Realizam-se, tão-só, numa região jamais atingida pela palavra: o Coração. A Poesia move-se nas franjas insondáveis do Mistério, sobre o qual não se tem qualquer espécie de controlo.

O Poeta, tal como todo o artista, é um ser privilegiado, porque escolhido pelo “Acaso” ou, quiçá, pelos “Espíritos”, que lhe incumbiram a missão de traduzir, em versos simples, a beleza do Universo. Ciente desta escolha, não pode demarcar-se de uma certa astúcia, nem dos domínios da Estética. Deve dissimular, previamente, os sinónimos, os arcaísmos ou os neologismos; preferir as palavras comuns às ex-traordinárias, para que possa garantir, em qualquer caso, o carácter de simplicidade da obra de arte. Só deste modo, a Arte poderá permanecer na memória do seu público, manter-se eternamente viva, mesmo depois da morte física do seu criador.

Urge interpretar as palavras de uma forma que extravase a hermenêutica tradicional, imergi-las numa outra ordem conceptual, próxima do “topos” da Criação. Urge libertar os espíritos das explanações pré-estabelecidas, lutar contra a linguagem convencionada, castradora da escrita originária, da criação aberta, do olhar microscópico, capaz de atravessar o opaco véu que oculta a realidade. Urge, por último, manter-se bem longe das palavras da crítica, apenas conducentes a mal-entendidos, e assim tornar claramente manifesto o Pensar, em vez do significar.

A sua orientação poética é delimitada pelo uso de imagens minuciosamente escolhidas, por um estilo espiritual único, irrepetível, que vai nascendo à medida que este delicado escultor das palavras procura os meios mais adequados para desenvolver a sua arte, os apetrechos mais apropriados para esculpir cada um dos seus versos.

Rilke acredita, quando da escrita se trata, na importância do trabalho quotidiano, na observação dos acontecimentos mais triviais , comuns a todos os seres humanos. Defende a escrita simples, translúcida e autêntica, que o ordinário possa fazer despoletar. Assim o declara, em tom de conselho, nas «Cartas a um Jovem Poeta»: «Fuja dos grandes assuntos em favor daqueles que o seu quotidiano lhe oferece. (...) Diga tudo isto com uma sinceridade íntima, calma e humilde. Utilize para se exprimir as coisas que o rodeiam, as imagens dos seus sonhos, os objectos das suas recordações. Se o quotidiano lhe parece pobre, não o acuse: acuse-se a si próprio de não ser bastante poeta para conseguir apropriar-se das suas riquezas. Para o criador nada é pobre, não há sítios pobres, indiferentes.»

Como esta explicação não lhe parece suficientemente satisfatória para a aprendizagem do “jovem poeta”, Franz Xaver Kappus , Rilke prossegue essa sua missão de conselheiro do Poema, de guia das palavras, pelas quais se exprime a intimidade do Sentir: «Só há um caminho», afirma peremptoriamente: «entre em si próprio e procure a necessidade que o faz escrever. Veja se esta necessidade tem raízes no mais profundo do seu coração. Confesse-se a fundo:”Morreria se não me fosse possível escrever?”. Isto, sobretudo: na hora mais silenciosa da noite, faça a si mesmo esta pergunta:”Sou realmente obrigado a escrever?”»

Se a experiência de Paris (1904 -1910) , amplamente reflectida nos «Cadernos de Malte Laurids Brigge» (1910) , assinala o início de uma nova etapa, aquela em que se incorporam ao mundo interior do Poeta sensações de terror, perante a inautenticidade da Vida e da Morte, e de estranheza, face ao Mundo, à beira do seu colapso total, em «As Elegias de Duíno» (1922-23) – escritas pela mesma altura de «Os Sonetos a Orfeu», o "seu canto de cisne", obra em que dá continuidade, num tom elegíaco-hínico, à herança de Hölderlin, – questionam-se as possibilidades de vivência do homem sem Deus, ao mesmo tempo que se vislumbra, na criação poética, o caminho da salvação.

Rainer Maria Rilke determina com a sua arte a nossa mundivisão, a nossa realidade e existencialidade epocal, no seio da efervescência de uma Europa culta onde se respira a atmosfera do “Expressionismo" alemão e do “Futurismo” italiano. Porém, em descrições expressionistas – tão características do estilo literário adoptado nos «Cadernos» – mergulha no silêncio, aprende a ver, e em si tudo penetra profundamente, apesar do devir, da constante metamorfose enteológica: «Mude embora o mundo / como as nuvens depressa, / a perfeição regressa / a um antes mais profundo.» Apercebe-se, então, de um estado interior jamais conhecido, a partir do qual tudo acontece e de onde tudo surgirá.

Pretende, apenas, ser um "poeta feliz de coração altivo”. Estar para além dos que inspiram piedade ou repugnância, mormente quando se sente esmagado pelos ruídos estridentes das vozes ensurdecedores, que pela cidade ecoam.

Só, irremediavelmente só, permanece o Poeta no colo incógnito das multidões avassaladoras da grande cidade, sem rosto próprio: «estava pesado de suor, e rodopiava dentro de mim uma dor estonteante, como se alguma coisa muito grande me circulasse no sangue, alguma coisa que me fizesse inchar as veias ao passar. E sentia ao mesmo tempo que o ar tinha acabado há muito e que eu apenas respirava exalações que os meus pulmões já não queriam.»

Sufoca, com a velocidade alucinogénia. Indigna-se, com o anonimato das gentes extraviadas. Recusa, a anulação do indivíduo imposto pelas massas indiferenciadas, mensageiras da podridão do Futuro, portadoras dos cheiros nauseabundos, responsáveis pela crueldade desenfreada. A Estrela dos seus olhos, não brilha mais. O Sol da sua natureza, esmorece, por entre as nuvens carregadas de um cinzento profundo. Resta-lhe, tão-só, guardar num lugar incógnito «a forma e a essência divina dos seus amores decompostos»

Sente, por isso, a imperiosa necessidade de tornar apreensível a Vida que, progressivamente, se vai recolhendo ao Invisível. Fá-lo, recorrendo a fenómenos e a imagens da sua infância – essa «preciosa e magnífica riqueza, esse tesouro de recordações» –, do seu ambiente parisiense ou das múltiplas leituras a que se dedicou, predominantemente orientadas pelo espírito de Baudelaire, autor das «Flores do Mal», o “poeta maldito”, talvez. Não obstante, lucidamente consciente de que «por entre os nossos vícios, galeria abjecta, / Existe um bem mais feio, mais cruel, imundo! / Que, mesmo recusando gestos ou clamores, / Facilmente faria da terra um destroço / E num simples bocejo engoliria o mundo; / é o tédio – Com o olhar chorando sem razão, / Vai fumando o cachimbo e sonha cadafalsos. / Conheces bem, leitor, tal monstro delicado, / – Hipócrita leitor, – meu igual, – meu irmão!»

Rainer Maria Rilke vive o período histórico das grandes inovações tecnológicas, do surgimento da electricidade, do cinema e do automóvel; do aparecimento e utilização desmedida das máquinas, triunfantes em todos os domínios onde toca a já insensível mão humana, “des-naturalizadoras” da Natureza e do Homem: «A máquina ameaça o alçado enquanto / ser no espírito e não no obedecer lhe apraz. / Não brilhe em mãos esplêndida um hesitante enquanto, / talha ela firme o edifício audaz. / Nunca se atrasa, pra lhe escaparmos uma vez / e ser dona de si, oleada, na fábrica em sossego. / é a vida, e ela acha ser quem melhor sabe e fez, / e ordena, cria e destrói com o mesmo apego.»

A actividade criadora do poeta não é, obviamente, independente desta nova reestruturação da História. Muito pelo contrário. Rilke interioriza a mundividência do seu (nosso) tempo, no lugar mais recôndito do seu coração. Revela-a, sem eufemismos. Muda a orientação da sua escuta, de regresso ao não maculado. Insurge-se contra a ambivalência do rumo seguido pelas revoluções técnico-científicas, em prol da defesa arrojada do não devassamento da Natureza e do Homem.

A mecanização e a Guerra atrofiam os ideais estetizantes dos autores modernistas. Ameaçados pelo desencanto e pelo tédio, inclinam-se para um misticismo exaltado, para a mostração desse sentimento de niilismo, de absurdo, de ausência de sentido da Existência, que o Poeta das «Elegias» tão bem conhece.

Contrariamente à posição proferida por Marinetti, no seu «Manifesto da Literatura Futurista», as máquinas não são, para Rilke, a expressão máxima da actividade artística, nem a “Revolução Industrial” a manifestação primorosa da realidade então vivenciada. Esta postura leva-o a rejeitar a tese que faz da Razão a grande salvadora e o único meio possível de redenção de todos os males. No seu lugar, coloca o coração, cuja linguagem e sentido são capazes de transmitir as mais fabulosas e ex-traordinárias experiências da Humanidade. Os cânones retóricos que definham a linguagem são, de igual modo, rejeitados. A linguagem natural, a do Poeta, que contém em si o poder evocador do som das palavras originais, é a única que importa.

Mais do que aos sentimentos, Rilke dirige-se aos sentidos, em detrimento do racionalismo exacerbado e inconsequente dos “Tempos Modernos” . Deseja obter, unicamente, o refinamento estético, o exotismo, o prazer da palavra e dos sons dela nascidos. Apenas com «palavras e gestos temos arte / de ir captando ao mundo» o que ele nos esconde, na sua pobreza ou na sua miséria, na sua sublimidade ou na sua vileza ou, simplesmente, na sua parte “mais fraca e perigosa” .

A sua missão, enquanto Poeta, é “celebrar” – «Celebrar, isso mesmo! Ser destinado a celebrar,» – os sons virgens da Natureza, da Terra, e de todos os seus elementos, naturalmente integrados no círculo órfico. Por si próprios falam da Vida e da Morte, na sua perfeita unidade, na sua comunhão absoluta: os frutos , as flores , as rosas (pelo poeta eleitas, entre todas as espécies florícolas), os bichos, as árvores, os pássaros .

Rilke aceita esta missão como uma dádiva divina, como um mandado, mesmo quando percorre por «caminhos que não conduzem a parte alguma, / algures, entre dois prados; / que diríamos que, com arte, / foram desviados da rosa-dos-ventos, / caminhos que, muitas vezes, não/ têm à sua frente nada mais / que não seja o tempo em que se está, / e o puro espaço existente.»

“Erguido como uma dádiva”, sobre as “montanhas do coração”, “prás mãos abertas“ se liberta este Poeta europeu de dimensão universal. Escuta a Terra “completa e bela, quente como o pão». Observa as “rosáceas de luz” com um “excesso de claridade” que, ofuscadamente, domina os trilhos dos caminhos da vida, nem sempre conscientemente determinados . Move o seu olhar pelas paisagens desertas, ainda não maculadas pelo poder devastador das máquinas. Por último, num derradeiro grito de salvação do originário, canta, de novo, reiteradamente, a «terra silente onde nem os profetas falam, / terra que prepara o seu vinho; / onde as colheitas cheiram ainda a génesis, / não temendo que se desfaça. / Terra por de mais altiva para aspirar ao que transforma, / que, obedecendo ao estio, / à imagem do olmo e da nogueira, parece / feliz com o que não muda. / Terra em que só quase as águas trazem novas, / infiltrando, por entre a aspereza das tuas consoantes / e claridade das vogais que lhe pertencem.»

Neste contexto nasce a simbiose da escrita rilkeana com a pintura de Cézanne e de Böcklin, o diálogo estabelecido pela sua Poesia com outras linguagens artísticas, a combinação ecléctica de linguagens e de símbolos, importadas de outras formas da Arte se dar. Em «Os Sonetos a Orfeu», para citar apenas um exemplo desta aliança, a linguagem da Música e da Poesia relacionam-se intimamente. Dão-se numa plena fusão semântica, quer enquanto modos complementares de um mesmo Dizer, quer como formas de inteligibilidade do mundo interior, onde eleva, numa fala indizível, o Amor, terrivelmente despedaçado pelo Destino, implacável, que conduz todas as coisas ao seu próprio fim, independentemente das escolhas humanas.

Tal como Nietzsche, Rilke traz-nos a melancolia de uma alma estilhaçada. Tão estilhaçada quanto um espelho, partido em mil pedaços, pela dor do Amor. A metáfora do espelho evoca Narciso, na reflexologia do seu Ego. Denota a terrível incógnita do ser e do parecer ser, do oculto e do des-velado, da fidelidade ou infidelidade dos contornos da figura nele representados. Os espelhos guardam, no seu vão, todos os reflexos. Da sua essência nada sabemos. Nunca ninguém poderá explicá-los. «Como os furos do crivo”, são “a ausência do tempo a preencher cada intervalo». Porém, «a mais bela de todas as figuras / ficará lá no fundo, até nas faces carregadas/romper claro o narciso em sua nitidez.»

Depois, vêm as Rosas. Sempre as Rosas! Símbolos deste sentimento na duplicidade da sua significação: por um lado, a veludez e a suavidade das pétalas; por outro, a agressividade e a violência dos seus espinhos. À semelhança do Amor, um dia, também desfloram. No chão ressequido, caiem as suas pétalas, quando já murchas e encarquilhadas. Tornam-se pó. Juntam-se à Terra, tal como o Amor desfeito, em lágrimas de amargura, que o coração jamais pode suportar.

Enquanto viajante eternamente solitário pelas mais diversas paragens do Mundo, por onde ainda paira o seu espírito infinitamente sensível e perscrutador, Rilke procura outras culturas e, sobretudo, um outro sentido para a Existência, posto em causa pelos massacres da Guerra. Vive intensamente cada momento do seu estar-aí, como se fosse o último, consumido pelos caminhos da Vida adversa à plena realização dos seres puros. Em cada lugar, procura um outro sentido que legitime o simples facto de ele próprio existir, apátrida, como cidadão do Mundo.

Rainer Maria Rilke é o atleta dos sentidos. Do ver e, sobretudo, do escutar. É o gladiador do silêncio. Desse trágico e imenso silêncio do Mundo, anunciador de um outro começo, sinal de renovação. O seu corpo não dobra perante um instrumento ou uma imagem. Apenas diante do Destino, quando impelido a sentir o silêncio universal, sempre que extravasa o ruído incómodo das coisas mais mesquinhas.

Permanece, errante, para além da musicalidade das palavras sentidas e intimamente vividas, antes da escrita. O esplendor do canto de cada vogal ou de cada consoante diz, nomeia, traz à luz a realidade na sua existência própria, de uma forma tão sublime e radiosa, que nos transporta para a sua interioridade. Afinal, “cantar é existir”. “Cantar é na verdade um outro alento” . Assim se determina a dimensão ontológica do canto, o poder de dar ser pela palavra poética, tão criadora quanto Verbo de Deus.

É pelo canto inaugural das palavras de origem que Rilke nos mostra, envolto na nascente musical de «Os Sonetos a Orfeu», essa outra possibilidade de dizer o Mundo, O Amor, os Homens, os Anjos, a Natureza e a Terra, de onde tudo brota como se de um fundo inesgotável se tratasse. A Terra tudo doa, sem nada pedir em troca. Quando «a Primavera regressa» em «tudo a terra é uma criança». Está aí, tão presente quanto ausente. Por todos os lugares se espalha os seus membros, sempre disponíveis para nós. Livre, feliz, alegre, no seu jogo puro com os infantes, abre o espaço da Existência para que todas as coisas se perpetuem no círculo órfico.

Estupefacto e vigilante, o Poeta sente que o seu mistério é criar. Vê a Natureza com os olhos dotados da mais pura clarividência. Escuta o seu pulsar, no “templo do ouvido”, nunca deixando escapar o seu apelo. Do peito arranca o seu “rubro coração”. À Natureza o doa. «Para o céu, onde um esplêndido trono vislumbra, / O sereno poeta, ergue os braços piedosos, / E os amplos clarões do seu espírito lúcido / ocultam-lhe o aspecto dos povos furiosos.»

Torna-se "um homem para quem o mundo exterior é uma realidade interior". Sente-o, não metafisicamente, mas com os sentidos usuais com os quais conhecemos a realidade, num esforço constante para tornar a vida real, absolutamente irreal na sua realidade directa.

Faz da sua Poesia uma arte casada com o Pensamento, um meio de realização, sem mácula, da Realidade. Impregna-a da catártica música de Orfeu, capaz de tudo mover e comover, porque magicamente encanta, não obstante a constância do sofrimento. Para esta meta deveria tender todo o esforço verdadeiramente humano – amiúde perpassado pela superfluidade animal, indiferente e sem a preocupação de exprimir o Mundo – para que a Realidade se torne mais viva e mais intensa.

Como esclarece Fernando Pessoa, pela mão de Bernardo Soares – contemporâneo de Rilke, tão social e tão intimamente Poeta – «os campos são mais verdes no dizer-se do que o seu verdor. As flores se forem descritas com frases que as definam no ar da imaginação, terão cores de uma permanência que a vida celular não permite. Mover-se é viver, dizer-se é sobreviver. Não há nada de real na vida que o não seja porque se descreveu bem. (…) Temos pois de conservar (tudo) em uma memória florida e prolixa, e assim constelar de novas flores ou de novos astros os campos ou os céus da exterioridade vazia e passageira.» .

A metáfora do canto da Terra é correlativa da metáfora da audição. Tal como o canto, o ouvir também pressupõe criação, o fazer brotar originariamente, o trazer à luz na clarividência de um dia radioso, o âmago dos entes que nos olham, e apelam para que os preservemos das armadilhas da tecnologia moderna, aniquiladora da pureza das coisas virgens, responsável pela desvirtuação progressiva da integridade originária do seu canto. Num ritmo cronologicamente atroz, desordena o natural curso da Vida, o seu desenvolvimento, construção e crescimento.

Não obstante a existência, quiçá inevitável, do vertiginoso mundo da ciência e tecnologia modernas, no mais profundo dos abismos, confessa o Poeta, «para nós existir tem ainda encanto; ainda em cem / lugares é origem. Jogo de forças puras e patentes, / não as toca quem não admira e de joelhos não se inclina» .

Orfeu – revisitado e consagrado por Rilke, precisamente em «Os Sonetos a Orfeu» – surge, neste contexto, como aquele que é capaz de “celebrar”, o Amor e a Terra, pela magia do canto. Encarna, por excelência, a missão inaugural do Poeta: penetrar nas “montanhas do coração”, exaltando o poder dos sentidos e do sentir; tornar audíveis os sons primordiais, abafados pelos insuportáveis ruídos das máquinas; fazer escutar os ouvidos desatentos das criaturas dispersas, desnorteadas no anonimato do colectivo, onde perderam, para sempre, a sua individualidade. É do "semi-deus" essa magistral e rara qualidade.

Sendo dos "dois reinos", o da Vida e o da Morte, Orfeu está ciente de que o círculo do Ser se completa com a Morte, que a si tudo chama da forma mais arrebatadora. O deus da lira dourada de Apolo, qual arauto da Música, do Canto e da Poesia, tudo atravessa intima e profundamente, através das “orelhas da Terra”, até atingir o âmago do Ser.

Dotado dessa singular experiência ontológica que é escutar, des-vela o "ante-cantar" como essencialmente Uno. Só o silêncio dos mortos, no terrível reino de Hades onde a vida terrena acaba, pode ser seu par. A Humanidade, afastada do circuito órfico, não possui mais o entendimento desta cumplicidade, da circularidade do "vasto círculo", da imensa esfericidade do Mundo, onde tudo se recolhe. De ouvidos surdos, torna-se incapaz de cantar o canto da Terra, de escutar o seu grito de alerta, os seus apelos constantes, sempre que o perigo se aproxima.

Orfeu, o trácio, em virtude da sua pureza sexual, das suas faculdades musicais e do seu dom de profecia – mesmo após a morte – é o patrono dos ritos e das formas rituais da Vida. Tem o dom da catarsis, da purificação, do poder salvífico da música e da palavra. Vive a circularidade da existência, ciente da reencarnação das almas e da sua sobrevivência eterna, desde que conservadas de uma forma absolutamente pura.

Orfeu é o Profeta. O redentor pela Arte, a única via possibilitadora da remição do humano. Esta ideia perpassa a concepção artística rilkeana, expressa por esta mítica e lendária figura. Feita de concentração, de disciplina interior e de isolamento, a Arte é acompanhada por uma forma peculiar de ver e de escutar: aquela que é própria dos seres sensíveis, os Poetas.

O homem não é só visão, mas também, e quiçá principalmente, escuta, audição. Por isso, a Arte, produto exclusivo do obrar humano não é, para Rainer Maria Rilke, nem mimésis, nem uma mera escolha selectiva de alguns aspectos do Mundo. Mas, por essência, a forma integral da sua plena transformação. Sobre esta base vão surgindo, progressivamente, os elementos centrais da cosmogonia rilkeana: o espaço interior do Mundo, em tudo idêntico à experiência dos pássaros; o “Aberto”, lugar angélico; a voz que na paisagem cicia o sentido; o desejável equilíbrio perfeito entre esta, eterna, e o efémero corpo humano.

O Homem é a consciência da paisagem. A sua boca, por ela fala. Os seus ouvidos escutam, no silêncio do chão sagrado, os sons primeiros, estranhos à civilização industrial dos estridentes ruídos, da poluição sonora, que fere os delicados tímpanos do Poeta. O seu nariz respira os salutares aromas da Terra ainda casta, algures, embora cada vez mais ameaçada pelos insuportáveis odores das máquinas. Perante nada se comovem ou retraiem, esses motores inconscientes do progresso. Assim se mostra a arte deste Poeta modernista, abalado pela monstruosidade da Guerra, desencantado com o mundo ingrato, ferido por uma humanidade não mais sensível a essa inquietante estranheza inicial, ao momento intemporal da criação pura.

Rilke, um escritor da transição do século. Sem dúvida. Preciso e visual, continuamente movido por uma escuta atenta, pela constante intersecção dos sentidos depostos sobre as “montanhas do coração”, caminha rumo à antropomorfização da Natureza que assume, em toda a sua obra, um nível de reacções genuinamente humanas, de suave tonalidade onírica, embora sem o recurso a diligencias fantásticas ou deslumbrantes: «Vejo, desde algum tempo / como tudo se modifica. / Algo se ergue e replica / e mata e traz o sofrimento. / Deitamo-nos sem cessar entre / as flores, frente ao céu. / Exposto sobre as montanhas do / coração. Olha como aí é mínima, / olha: essa última estação das / palavras, e, mais alto, também mínimo, / ainda um último reduto do sentir. / Consegues vê-lo?»

Os seres vivos, enquanto elementos da Natureza, participam do seu inesgotável encantamento. «Stimmung», o ambiente na sua nudez essencial, é o efeito que cada um dos seus poemas faz despoletar, de uma forma naturalmente sublime. A metamorfose da Natureza agita o seu canto por intermédio de uma espécie de contemplação objectiva e serena, mesmo quando nos deparamos com a preocupação do Poeta pela sua salvaguarda imperativa.

Para além dos efeitos aliterantes e onomatopaicos, sentimos na sua escrita o encanto do jogo vocálico, típico dos simbolistas franceses. A ausência de preciosismos formais não tem lugar na sua obra. E a poetização de cada assunto vive da força das imagens fecundadas, tão-somente, pela flexibilidade de um ritmo normalmente livre.

Rilke procede, com uma certa frequência, à poetização do real: em vez da exposição lírica dos sentimentos, elege a poesia dos objectos em si mesmo considerados, visualizando-os a partir de um ângulo mais pessoal e descritivo. Com novos gestos linguísticos, impregnados de uma plasticidade quase indescritível, descreve-os até que a sua imagem se complete, até que a sua força anímica se manifeste.

A instilação visual do Poeta, tanto quanto a auditiva, desnuda a intimidade invisível das coisas. Sempre que as descreve, revela-as na sua autenticidade iluminatória, jamais captada pelo olhar do comum dos mortais, bicéfalos. No entanto, essa descrição não é, propriamente falando, objectiva, isto é, não parte da observação do Eu para o objecto, mas da auscultação do seu interior para e sobre o mundo.

Assim o esclarece Rilke, nas «Cartas a um Jovem Poeta»: «meu caro senhor, apenas me é possível dar-lhe este conselho: mergulhe em si próprio e sonde as profundidades onde a sua vida brota; na sua fonte encontrará a resposta à pergunta “Devo criar?” Aceite essa resposta, tal como lhe é dada, sem tentar interpretá-la. Talvez chegue à conclusão de que a arte o chama. Nesse caso, aceite o seu destino e tome-o, com o seu peso e a sua grandeza, sem jamais exigir uma recompensa que possa vir do exterior. Porque o criador deve ser todo um universo para si próprio, tudo encontrar em si próprio e na Natureza à qual toda a sua vida é devotada.»

A ânsia do “Belo” e do “Aberto” realizam-se numa ambiência decadente, acentuada de uma forma particularmente estimulante, em virtude do uso reiterado da conotação negativa dos adjectivos. O desejo do místico brota como uma «busca incessante de Deus». A encenação mitológica é, apenas, um mero pretexto convencional. E a mitificação do Amor, dá-se por uma via mais objectiva, tanto quanto a reflexão sobre a Morte.

As frequentes considerações sobre a inevitabilidade da Morte, ausentes do sombrio fatalismo da mística cristã, são uma constante em Rilke. Na riqueza espiritual do Homem, na grandeza que o Mundo oferece, a Morte é um facto tão lógico como a própria vida. Requerer uma relação individual à margem de qualquer espécie de massificação. Na sua tradução poética, naturalmente vital e recorrente, ergue-se uma estrutura concêntrica em derredor do símbolo do fruto que amadurece e cai. Assim é a Morte no seio da Vida, que o seu círculo perfeito completa.

A unidade da Vida e da Morte é, claramente exposta, em os «Sonetos a Orfeu», onde vemos ressurgir o “topos” clássico da natureza divina do Poeta. Ao conquistar a glória terrena, opera o milagre da imortalidade na sua relação com o divino, sem nunca quebrar os estreitos laços que mantém com a Natureza.

Independentemente do dito e do não dito neste ensaio cabe-nos, ainda, perguntar: como olhar, hoje, – nestes “tempos de infortúnio”, do vazio das palavras e do descrédito da salvação – para a poesia de Rainer Maria Rilke, erguida sobre as “montanhas do coração? Como perspectivar a obra de um homem que pretere a razão, qual ”monstro sagrado” da civilização moderna, em prol do coração, da primazia dos sentidos holisticamente conjugados? Como escutar esta escrita demasiadamente humana?

As palavras quase que se esgotam. A nossa linguagem talvez nada mais possa acrescentar ao Dizer do Poeta. Porém, aquém e além de todo o sofrimento, da desilusão ou do sentimento de uma certa impotência do pensamento e da acção para transformarem a realidade, a esperança ainda permanece no dolorido canto do Poeta, o grande “guerreiro solitário do poema”. A todo o momento pede socorro, confessando não aguentar mais o terrível peso do Mundo, revelando não saber exactamente quais os seus reais intentos, porque trespassado por um incómodo tremendo, em estado de permanente sobressalto.

A sua poesia incomoda. As suas cartas, também, sobretudo quando levantam a possibilidade da existência de uma outra forma de amar, inaudível, inexplicável, enredada nas franjas indeterminadas de uma qualquer escala cromática. Talvez não exista mais um corpo apropriado para um Amor assim, devastador, fulminante, completamente íntimo e arrebatador. No entanto, o corpo do Poeta mantém-se aí – e este “aí” é o desolador Mundo dos Homens –, atirado para as margens intermináveis da Solidão.

O Amor amarrota o corpo. Mesmo o corpo inspirado. Esmaga a alma. E, provavelmente, "Eros não pode ser belo". A expressão é, seguramente, local. A impossibilidade já vem dos gregos, amiúde revisitados por Rilke, na sua profícua mitologia, no seu puro modo de ser e de pensar poetante. Um pensar genuíno, cujas "belas arcadas construídas pelo espírito", assentam em precárias bases, em inconsistentes alicerces de madeira. Sobre elas habita o Poeta, eternamente enamorado, mensageiro de um peculiar sentimento de humanidade, que passa ao lado dos homens.

Em vão, tentou aguentar tão estranho e comum sentimento. No seio da sua amargura, foi salvo pelo Anjo, sublime criatura, reflectora de um certo grau de angústia, de uma extraordinária capacidade de captar "ultra-radiações" de infelicidade.

Envolto neste dilema existencial irreversível – em tudo coincidente com o conflito interno da sua própria escrita – só lhe restam dois caminhos, fatalmente paralelos: ou leva a sua Poesia até ao fim, ou reentra na sociedade comum dos Homens, reduzindo-se, tão-só, ao estatuto de um “Bom Poeta”.

Rilke, Orfeu. Ou, se preferirmos, Orfeu e Rilke. Assim sejam: Poetas cantores do Amor, do humano, do demasiado humano. Poetas perseguidos pela ideia de que ainda há lugar, neste Mundo incrível, para um outro modo do humano se dar, no seu fazer-se de Homem.

O Mundo? Que diremos dele? O Mundo urbano está cheio de Nada. A inspiração é volátil. O “Aberto”, doloroso e imprevisível, assoma nos momentos mais inesperados. A Solidão, é temida. A Guerra, abominável. Haverá um outro modo de estar disponível para o Poema? Uma outra forma de re-criar poeticamente o Mundo?

A resposta a estas questões, a simples, mas profunda meditação sobre o seu essencial intento, talvez nos permita correr o risco de procedermos a uma hermenêutica ainda mais depurada da Poesia rilkeana.

Cada poema de Rilke – seja qual for a temática a que se subordine ou a estilística que o incorpora – não é senão uma forma completa, perfeita, e até mesmo rigorosa, em todos os seus detalhes. É o resultado da fusão, sem mistura, que se opera genuinamente no interior da Linguagem. O elemento frásico, o ritmo, a musicalidade das palavras, meticulosamente escolhidas, estão tão próximos quanto possível do que é sentido. E o que é sentido do dito e do não dito, pressentificado nas entrelinhas não dissimuladas desta escrita em ininterrupta ebulição, redonda, inevitavelmente redonda, com princípio instituído, mas sem fim determinado.

A forma do poema surge do sopro do Coração, que vê muito mais do que o enigmático olho da razão; nasce da íntima relação com o “Aberto”, sentido na profundidade ilimitada dos seus indeléveis contornos. Os Poemas de Rilke! Pois…, os Poemas de Rilke: bodas ténues de contrários, a limite complementares, no lençol imenso onde se deitam as palavras, imperecíveis. «Aqui é tempo do dizível, aqui a sua pátria. / Fala e proclama. Mais do que nunca / perecem as coisas, as que se podem viver, pois / O que as substitui, tomando o seu lugar, é um fazer sem imagem.»

Algures, talvez num dos contos de «A História de Nosso Senhor», o Poeta havia imaginado Deus tremendamente zangado, ao confrontar-se com as suas mãos, inábeis e com o seu Verbo, impotente. O mesmo sentiu com o seu corpo. Não coube no Poema. E, em 29 de Dezembro de 1926, o Poema levou-o. Para onde? Não nos é permitido saber. Mas, levou-o. Hoje, esse mesmo Poema torna-o presente, eminentemente presente na sua ausência física.

A Arte do canto e da palavra. A Poesia e a Música. Em uníssono, cantam. Em “re-união”, caminham para o mesmo fim, “ex-traordinariamente” epifânico: o empenho total do Ser para a sua plena revelação.

É neste fogo do conhecimento absoluto, também o fogo ardente do Amor, que o Poeta se exalta e consome. Aí, nesse lugar recôndito, onde assoma, em silêncio, a nostalgia da Unidade, a derradeira e singular consonância entre a luz e a sombra, a plenitude ansiosamente desejada entre a presença e a ausência, a comunhão do particular e do universal, da singularidade e da pluralidade: «e assim a palavra do poeta, tão fiel ao homem, acaba por ser palavra de escândalo no seio do próprio homem. Na verdade, ele nega onde outros afirmam, desoculta o que outros escondem, ousa amar o que os outros nem sequer são capazes de imaginar. Palavra de aflição mesmo quando luminosa, de desejo apesar de serena, rumorosa até quando nos diz o seu silêncio (…)» .

É este o resultado da acção da cultura de massas, petrificadora o mundo interior. Da cultura do betão armado e do ferro, do anonimato antropológico, da intolerância pela identidade, da intransigência pela especificidade irredutível do indivíduo. E a isto, ainda, chamamos “cultura”? Como podemos fazer coincidir a essência deste conceito com o interesse pervertido em ocultar o Homem? Com essa postura colectiva, violadora da filantropia, erguida sob o traço “des-configurador” da natureza desta sombra de gente em que nos transformámos, incapazes de aflorar, sem véus, à luz translúcida do dia?

É justamente contra a ausência do Homem no homem, que a palavra do Poeta se insurge. É contra a inquietante estranheza de um ser desolado, completamente só, apenas entregue a si próprio, que a voz do Poeta se levanta. É contra a castração dos sentidos e a amputação do corpo, que o dizer do Poeta se rebela.

Assim é o Homem que habita, veladamente, em cada um de nós. Assim é o Poeta, Rilke ou Orfeu, em revolta pela incapacidade de manter a fidelidade à multiplicidade de rostos que em si se manifestam, a um tempo, presentes e ausentes. Mas, afinal, de que espécie de fidelidade padece o Poeta? A resposta que nos ocorre é tão simples, quanto complexa: da fidelidade ao Homem e à sua lúcida esperança de sê-lo, inteiramente; da fidelidade à Terra, onde mergulha as suas raízes mais fundas; da fidelidade à palavra que, no Homem, é capaz da verdade última do sangue, da derradeira verdade da alma.

Não sabemos, no entanto, se poderemos reiterar a tese: o futuro do homem é próprio homem . Mas que Futuro? Mas que Homem? «Ecce Homo». Literalmente, «eis o homem». «Ser como quem sou», «um espírito livre», responderia Nietzsche. Talvez seja este o mote dos poemas de Rainer Maria Rilke.
Isabel Rosete
Maio, 2008

sábado, 27 de novembro de 2010

O salpico doce
Das gotas salgadas,
Desperta-me
Para os segredos da Criação,
Para o devir contínuo
Da marcha do Mundo,
Sem intervalos,
Sem pausas.

O farol que o mar torna visível,
Anuncia: “terra-à-vista”!

Sempre ilumina a minha alma,
Todas as almas,
Em todas as direcções
De onde os barcos
Partem e regressam,
Na saudade amarga
Daqueles que se separam
Pela luta do pão e da vida.

IR
Tão vil é
Este mundo onde sobrevivemos
Comandados pelo compadrio;

Tão ignóbil é
Este mundo por onde vagueamos
Movidos pelo oportunismo;

Tão des-crente é
Este mundo onde não mais habitamos,
Perseguidos por uma glória que não existe;

Tão insano é
Este mundo onde não temos mais lugar,
Tiranizado pela discriminação;

Tão fútil é
Este mundo onde vacilamos,
Esquartejados pelas sombras das essências.

IR
Meros farrapos
Nos tornámos,
Nós, os pretensos
Arautos da Razão.

Razão?
O que é a Razão?
Não sabeis, pois não?

A palavra degenerou-se,
Gastou-se,
Transmutou-se para um outro,
Que jamais é o outro de si mesmo.
Continuamos a carregar este rótulo,
O de sermos racionais,
Cada vez mais vazio,
Cada vez mais insano!

Não é a Justiça que nos move,
Não é o Bom-Senso que nos determina,
Não é a Ética que nos rege!

O que nos alimenta
Ou des-nutre,
Sobe o nome da “Razão”?

A Demagogia e a Retórica,
Abastardadas;
O poder e a ambição,
Des-medidas;
A intolerância e a discriminação,
Arrogante,
Sem fundamento plausível.

É nisto, Homem,
Movido pelas escaldantes farpas do Demo,
Que te transformas-te
Por conta própria?

IR

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Caminho pelas areias infinitas
Das praias desertas.
Nada se ouve.
Nada se sente.

O luar
Incandesce os meus olhos,
Míopes,
Perante a imensidão da linha do horizonte
Que não vislumbro mais
A minha alma esvaiu-se
Na solidão das marés,

Que vão e vêm,
Nunca se fixam
Nunca deixam os mesmos rastos,
Nunca permanecem
No mesmo lugar.

Trazem um tempo outro,
Anunciam outros espaços,
Outras vidas,
Encobertas
Pelas águas,
No seu incessante peregrinar.

IR
O Mar que me deu a Paz

É o mesmo que me devora as entranhas
Nas escuras noites de trovoada
Que sob o meu tecto des-falecem.

IR
Amamos a Paz dos desertos

Onde encontramos a tranquilidade.
Aí permanecemos,
Nessa espécie de refúgio do Mundo,
A salvo dos olhares alheios
Que nos penetram na alma,
A salvo das mãos dos outros
Que nos apontam o dedo,
A salvo das mentes incriminatórias
Que só vêem o visível,
A salvo dos espíritos perversos
Que a verdade atrofiam.

Isabel Roste
Das Fontes
Já não jorram mais
As águas cristalinas!

Dos mares
Já não ecoa mais
O canto das sereias!

Das Estrelas
Já não renasce mais
O brilho duradoiro!

Da Terra
Já não desponta mais
A fonte da Salvação!

Da Humanidade
Já não eclode mais
O grito do perdão!

IR
Despimo-nos do tédio,
Enfrentamos as multidões
Dispersas,
Invisíveis,
Aos olhos maledicentes
Das bocas preservas.


Agouros pronunciam,
Em nome do desespero,
Egoísta,
Que lhes corrói a alma.

IR

sábado, 20 de novembro de 2010

Que todos os degenerados intelectuais

Se enforquem com as suas próprias cordas,

Ardam no fogo dos Infernos

E aí permaneçam, para sempre,

Calados, amordaçados, cegos e surdos...

Que nunca sejam perdoados,

Nem por Deus, Nem pelo Diabo.

IR
Os olhos quadrados, míopes e estrábicos,

Proliferam por este mundo da anarquia intelectual

E do des-atino axiológico.



A Razão não é mais distribuída

De igual forma por todos os homens,

À beira da falência da Humanidade

Que não mais os habita!



O que esperamos desta Humanidade

Assim transviada?



O que esperamos deste Mundo cruel,

Indigno para os seres-puros?



O que esperamos da ausência de senso

Dos que, pressupostamente,

Comandam as nossas Vidas?



Esperança! Mas, que Esperança?

A da mudança do caos para a ordem?



Instalado o Caos, como ordem,

Apenas nos resta permanecermos

No vislumbre de qualquer expectativa,

Quiçá, possível?

IR

MENTES PÁLIDAS, IR

Há um Espírito errante que nos percorre,

Que cobre as nossas faces desprotegidas,

Que invade a nossa morada

Nunca a salvo de qualquer perigo.



Por entre a seiva da Vida

Corre o esgoto

Das mentes pálidas,

A podridão do horror,

O enfado do tédio,

A escuridão, cega e surda,

Das franjas deixadas ela inveja.



Despimo-nos do tédio,

Enfrentamos as multidões, dispersas,

Invisíveis aos olhos maledicentes

Das bocas preservas.

Agouros pronunciam,

Em nome do desespero egoísta

Que lhes corrói as entranhas.

IR

VAZIO DO INTELECTO, IR

Os livros que não li

Povoam a minha Alma,

Em noites de solidão,

Onde a dor de pensar

Se manifesta com veemência.


De que falarão?


Vejo os índices.

Os temas surgem,

Em catadupa, cada um um,

À sua maneira,

Com o seu interesse muito particular.



Tudo quero ler,

Num instante,

Como se o tempo passasse



E nada pudesse permanecer

Guardado na minha memória.



Se não os leio,

Como preencherei

O resto do vazio do meu intelecto

Sempre

Insatisfeiro?



Ali estão

Os livros que não li

À minha espera nas estantes

Da minha bilbioteca,

De todas as bibliotectas

Vistas, conjecturadas…!



Apelam-me!

Mas são tantos, ainda!

IR

TEXTURA INESQUECÍVEL, IR

Celebremos as noites de Lua cheia,

Tão claras e translúcidas,

Todos os equinócios,

Todos os solstícios,

As dádivas do Engenho

Dos deuses ou dos Homens,

As glórias merecidas,

As batalhas vencidas,

Nos campos, onde a morte,

Não regresse mais.



Celebremos o Aberto, o cantar

E o ante-cantar,

Serenamente protegidos

Pela aura invisível dos Anjos,

Belos e terríveis.

De asas pomposas

Se dirigem

Ao misterioso topos da génese Universal,

Ao espaço intra-estelar

Dos céus comovidos.



Vivamos no mundo dos Anjos,

Mensageiros, profetas,

Escutas das consciências,

Em silêncio, atormentadas,

Amparados, protegidos,

Pelas suas asas alvas

Que a Felicidade despontam

No seio das trevas do Mundo.



Amemos as flores

De todas as formas,

De todas as cores,

De todos os cheiros...

A ternura das suas aveludadas pétalas

De doces texturas, inesquecíveis,

De um indelével e suave tecido.



Louvemos todos os lugares astrais

De luzes incandescentes,

No brilho redondo

Da infinitude do Universo;

O som distante

Das órbitas planetárias,

A informe forma

Das nuvens brancas,

O fundo gravitacional

Que tudo abriga.

IR

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Rita Francisco disse...


Adorei a sua palestra. Consegui ver (e acho que todos conseguimos) que é uma forte mulher e que "não tem papas da lingua". pelo menos para mim, é um exemplo a seguir.

Gostaria que se tivesse tempo, fosse ao meu blog e lêsse pelo menos o "Ama-me (:"; o "make up smeared eyes" e o "Para lá do depois" e comentasse dando a sua opinião. obrigada e continue com essa força.
Caros amigos,


É com muita satisfação que vos convido para as comemorações do "Dia Internacional da Filosofia"/10ª sessão de apresentação do meu livro "Vozes do Pensamento" - "Da Filosofia e da Poesia no Feminino", 19/11/2010, 14.30h, Escola Secundária José Falcão, Miranda do Corvo.

A vossa presença e participação é fundamental!

Saudações poético-filosóficas,

IR

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O que diremos do Destino?


Que já está feito, a priori, por Deus, pela Natureza,

Por qualquer força que por si mesma se move

E nos move sem que a conheçamos,

Algures pairante no grande Mistério?

Que está pré-determinado por

Qualquer espécie de combinação astral

Incógnita?

Que somos nós, entes tão miseráveis

E efémeros, também grandes e gloriosos,

Em certas façanhas, os seus autores e condutores?



Acreditemos ou não, estamos destinados

Seja ao que quer que seja, seja lá ao que for.

É a lei da causalidade física que se impõe,

Imperativa e irreversível,

Apesar do livre arbítrio, apesar da liberdade,

Apesar de um possível comptaibilismo…



O que tiver de ser, desde ou daquele modo, assim será!



Quem poderá desviar o ritmo certo dos caminhos

Já traçados e que se nos escondem nas clareiras já abertas

Ou no emaranhado das silvas das densas florestas?



Há sempre uma causa que nos impulsiona,

Há sempre um estilo que nos move,

Há sempre uma razão, um fundamento,

Que justifica quer o pensamento, quer a acção,

Mesmo que o nosso entendimento não o atinja

De uma forma imediata e espontânea.



Leibniz e o “princípio da razão suficiente”?

Claro. Como poderíamos ignorá-lo se a Vida

Sempre o mostra e presentifica em cada momento?



IR, Ílhavo, 04/01/2008

domingo, 31 de outubro de 2010

Pensamentos Dispersos
07/01/2010

"Balance"! Balançar de cá para lá e de lá para cá, em qualquer sentido ou direcção, assumindo ou não um certo determinismo, tentando não cair, e se cair, levantar-se, erguido! A corda-bamba do equilibrista!
A harmonia na Vida é, quase sempre, tão frágil e tão segura!
Há uma vontade-de-poder que nos comanda, num certo equilíbrio com o Espírito do Mundo.
O Cosmos gosta de se esconder!. Lembro-me sempre do veredicto de Heraclito: o “Combate”, no sentido grego de "polemos" (das forças opostas nasce a Harmonia) é a mãe de todas as coisas, em perpétuo devir do mesmo e do outro!
Do caos se gera a ordem, e da ordem um outro e outro caos, uma outra e outra ordem, em estados de combustão permanentes e acelerados.
Destruição e construção! Assim o ditou o fogo de Prometeu!

Isabel Rosete

domingo, 17 de outubro de 2010

sábado, 9 de outubro de 2010

Comentário de uma ex-aluna, Teresa Castelhano, a quem agradeço muito emocionada


Boa tarde!Hoje, navegando por este mundo virtual, encontrei um nome que me soou familiar: "Isabel Rosete". E não me enganei!"Mergulhei" por este site, e mais outros tantos que falam de si, e vieram às minhas lembranças as aulas de Filosofia dos 10º e 11º anos, em 1992-1994, na Escola Secund. Jaime de Magalhães Lima. Dessas aulas ainda falo hoje, agora aos meus próprios alunos. Já a admirava naquela altura, pela professora, pela pessoa, pelo carisma que transparecia e pelo estilo inconfundível. Hoje fico, sem dúvida, até vaidosa por ter sido sua aluna. Espero que esteja tudo bem consigo e, se o aceitar, deixo-lhe um abraço até saudoso pelos tempos que me fez recordar.
Um beijinho.
Teresa Castelhano

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Reportagem fotográfica da oitava sessão de apresentação de "Vozes do Pensamento", um livro de Isabel Rosete, na "Perlimpimpim", 02/10/2010, http://isabelrosetevozes.blogspot.com/

Os meus mais notáveis agradecimentos à Aldina Ribeiro, ao Tiago e à Alda (da "Perlimpimpim"), pelo gentil acolhimento que me prestaram. Igualmente, aos colabores directos neste evento - Tomaz Parreira, António Azeredo, Gonçalo Rosete, Carolina Martins, Elvira Almeida, Carlos Cardoso, Maria Matos, Manuel Martins... e todo público que, nesta noite de celebração da Poesia, me acompanhou e aplaudiu com toda a consideração.

Bem-hajam,

IR
A monotonia congela-me o cérebro. Irrita-me a alma, ávida do sempre novo, do constantemente diferente, da metamorfose, do mistério, do enigma, de todas as incógnitas escondidas, algures, por esse Universo imenso.


A minha alma suplica pelo desafio do desconhecido, do nunca visto ou imaginado. Do impensado e do impensável. Do ainda não sonhado. Caminha, só, para o impossível, para o reino eterno da ausência de limites. Foge do efémero rumo ao paralelamente ilimitado. Percorre todos os caminhos, até mesmo os mais recônditos e íngremes, para a Verdade alcançar.

A minha alma procura a inocência primeira, a leveza do Ser de todas as coisas – apesar do peso do Mundo animadas e inanimadas, terrestres e celestes, no seio dos dois lados, nem sempre coligados, da quadratura perfeita: os Homens, a Terra; os Deuses, o Céu.

A minha alma busca o infinito, na esperança de encontrar um mundo novo, exemplar. Este já está gasto, saturado, desgovernado, caótico, demasiadamente costumeiro, vulgarizado por uma escala de valores invertida, para quem deseja ver mais longe, para além das ilusórias aparências que ofuscam o olhar primogénito.

A minha alma procura, sem cessar, a Liberdade do eu e do outro, esse espaço aberto da expansão total do Tudo, onde não há o acaso, nem o vazio, nem o nada.

A minha alma quer percorrer os círculos viscerais de todos as criaturas, porque ama a Totalidade, na sua grandeza; porque foge aos estreitos limites do Tempo, do Espaço e do Destino. Vagueia por todos os lugares. Não cabe dentro de si mesma. Anseia o Aberto, onde tudo se funde, em perpétua comunhão com o Ser, o Estar, o Pensar e o Agir

A minha alma pensa o Mundo e esmorece, de imediato, perante o desordenado cenário da miséria humana. Quer mudar o Mundo, a Humanidade perdida, a mente das gentes agrilhoadas à mesquinhez do mero sobreviver e às acabrunhadas correntes dos preconceitos. Quer ultrapassar as barreiras do Tempo e do Espaço. Quer ser eterna e, nessa eternidade, mover o Cosmos na sua majestosa beleza, pelas mãos criminosas agonizada.

Não é narcísica. Vê-se ao espelho. Reconhece a sua própria identidade. Sofre com todos os “Epimeteus”… Deseja todos os “Prometeus”… Sente-se, de novo, só, desamparada, neste espaço astral des-humanizado, que não suporta a disparidade da alteridade, o brilho das Estrelas ainda iluminadas.

A minha alma quer renascer num Mundo novo, com a hierarquia axiológica adequada, onde os anti-valores sejam completamente destronados. Num Mundo sem rótulos, sem rebanhos, sem discriminação, sem congeminações forçadas e infundadas.

A minha alma quer crescer no topos infinito de todos os oceanos, limpos, na clareira das florestas oxigenadas pelo espírito divino de uma criação imaculada.

Isabel Rosete
http://isabelrosetevozes.blogspot.com/

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Pensamentos Dispersos, IR – 29/09/2010

Quem se atreve a atirar a primeira Pedra?

Urge uma enorme mudança de mentalidades, hoje cada vez mais distorcidas, cruéis, atrozes, em nome da implementação definitiva e cumprida dos valores autenticamente humanos, que repelem os anti-valores massivamente em vigor e determinantes das condutas particulares e públicas: a discriminação, a hipocrisia, o xenofobismo, a intolerância, a ausência de solidariedade...

Enquanto essa mutação não for realiza, as pedras nunca mais voltarão ao seu lugar natural: calçadas, ruas, praças, montanhas...

Esta mudança é, na verdade, a grande revolução intelectual que devemos operar neste século, em concomitância com um agir visivelmente adequado.

Quando este ideal (não utópico) se concretizar, as pedras deixarão de ser armas e continuarão a ser simples pedras.

Isabel Rosete

sábado, 25 de setembro de 2010

MANIFESTO CONTRA A COBARDIA E A HIPOCRISIA


Para o enobrecimento dos Espíritos PUROS
Por: Isabel Rosete

Não sei mais amar o próximo como a mim mesma!

A futilidade é claustrofóbica e insuportável.
A mesquinhez é indigna e insolente.
A insensatez é medonha, terrível.
A ausência de espírito crítico, abominável.
A ignorância, a grande podridão das Almas.
E a (dita) … Normalidade?

Ah, a Normalidade, a grande farsa
Dos Cobardes e dos Hipócritas,
Desses que blasfemam, no mais sórdido silêncio,
Encobertos por opacos véus negros!

Ah, a Normalidade, a grande impostura do politicamente correcto
Dos que escondem o rosto próprio – que rosto próprio já não têm –
E todas as suas faces dissimuladas, mais ou menos latentes,
Mais ou menos manifestas pelo filtro da peneira social indigente –
Por medo, por desvario, por insciência,
Por fingimento, por sonsice... – simplesmente, porque convém –
Pelo temor das vozes dos outros, dos incipientes
Dizeres das bocas imundas – cheias de pecado e agonia –
Que não apoiam qualquer nobre e corajoso acto
De presentificação do ser si-mesmo, por si mesmo,
Que menosprezam – vã gloriadas – e aniquilam a Identidade!

Malditos! Malditos! Malditos! Mil vezes malditos! Sempre Malditos!
Eternamente vos amaldiçoo, sem pesar, Cobardes e Hipócritas,
Que impõem o Social apenas para proveito próprio, num acto
De egoísmo visceralmente brutal.
O fogo do Inferno – em grandes e ardentes chamas – vos desejo,
Com todas as forças que ainda me restam, com todas as forças que
Tenho e não tenho …até ao meu último fôlego sentido!

Odeio-vos, vermes secos e vazios, lombrigas sujas em forma
De toupeiras encardidas, ratazanas pestilentas, apenas, com a ponta
Do rabo de fora, vós, Cobardes e Hipócritas, com um suposto rosto
De gente, que até os animais (mais) selvagens desprezam
Como carne putrefacta – a que, afinal, vos reduzis – que nem os abutres
Ousam Devorar, apesar de famintos!

Tenho nojo, repulsa figadal, de vós, asquerosos Cobardes e Hipócritas,
Nem em aparência respeitáveis! Sois pura figuração, meros pedaços
Difundidos – de espírito e de matéria ocos e nauseabundos –
Do ignóbil Nada que vos consome!

Sois, malditos Cobardes e Hipócritas,
A praga que a Medicina ainda não aniquilou!
Sois, malditos Cobardes e Hipócritas,
Uma espécie exaquerável de qualquer coisa insignificante,
Sem nome, sem designação própria no computo
Do autenticamente humano!

Podres, decompostos, estão os vossos corpos e as vossas almas!
Mas…, que corpos? Mas…, que almas?
Alma – esse Nobre sopro de pura Vida e Existência – não tendes! Nem corpo digno,
Nem matéria-prima, nem forma sustentável… nem nada que possamos
Identificar com alguma coisa de luminoso ou de glorioso…
De grandioso…que se possa descrever ou mencionar,
Com propriedade plausível e razoável!

Sois, Cobardes e Hipócritas, de tal modo in-identificáveis
No vosso parecer-ser – o Ser já não vos habita tão miserável
Ou desgraçado, que todos os adjectivos depreciativos se esgotam em
Todas as línguas, em todas as linguagens, em todos os dialectos…
Para vos classificar em sentido próprio!

Porque não morreis de uma vez só, Cobardes e Hipócritas,
Se sois a verdadeira e pura escumalha, a negra mancha do petróleo
Poluente que tudo contamina, a visão do Inferno e das trevas da
Escassa dignidade que ainda nos resta, a nós, os que existimos
De viso des-coberto, Aberto, na Transparência do claro e do distinto,
No “visto claramente visto”…, albergados nos múltiplos e extensos espaços
Da autenticidade do Ser e do Estar, que vós, atopos, não conheceis mais?

Excluo-vos, indigentes Cobardes e Hipócritas, sanguessugas mordazes,
Do meu pequeno-grande Mundo Mais-que-perfeito, com toda a humildade.

Se quiserem, se ousarem querer, alguma vez que seja,
Pelo menos uma vez, quiçá por entre alguns eventuais parcos
Momento de uma acidental lucidez remota que ainda possa vir
A surgir nos vossos enfermos espíritos quadrados e encurralados…
Digam que sou Arrogante. Vá, chamem-me Arrogante!
Vá, digam-no, afirmem-no, convictamente, se sois capazes!
Mas digam-no em Voz Bem Alta miseráveis Cobardes e Hipócrates!

Eu, apenas afirmo, assertoricamente:
TRANSPARÊNCIA e TOLERÂNCIA, meus queridos!
TRANSPARÊNCIA e TOLERÂNCIA, repito, e volto a repetir
Quantas vezes forem necessárias, agora e sempre… para sempre…
Neste e em todos os meus manifestos contra a COBARDIA e a HIPOCRISIA,
Em nome da assumpção plena da IDENTIDADE e da DIFERENÇA
Jamais camufladas ou ludibriadas!

É tão-só a TRANSPARÊNCIA e a TOLERÂNCIA
Que me corre nas veias de sangue quente, vivo e voraz!
É tão-só a TRANSPARÊNCIA e a TOLERÂNCIA
Que move as minhas sinapses neuronais,
Em permanente estado de alerta!
É tão-só a TRANSPARÊNCIA e a TOLERÂNCIA
Que alimenta a minha Alma, ávida da VERDADE!
E tão-só a TRANSPARÊNCIA e a TOLERÂNCIA
Que me fustiga o Espírito, invariavelmente, CRÍTICO!

O que quereis mais, gente medonha e estúpida?

Se não tendes mais nada para dizer, se não sois mais
Capazes de engolir, a frio, a vossa Cobardia e Hipocrisia,
CALAI-VOS, PARA SEMPRE!

Isabel Rosete
22/09/2010

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

domingo, 19 de setembro de 2010

Nos passeios de Deus
- Claros e translúcidos –
Vi Anjos velozes e vorazes
Sentados em Estrelas saltitantes.

Nos passeios de Deus
- Misteriosos e desconhecidos
Vi todas as faces da Lua
As opacas e as transparentes.


Nos passeios de Deus
- Íngremes e ocultos -
Vi o remorso nos olhos dos Homens
Dissimulados e desfalecidos.

Nos passeios de Deus
- Em harmonia e esperança -
Vi a alegria das crianças, brincando,
Na inocência de um Paraíso ainda não perdido.

Isabel Rosete
Ílhavo, 04/01/2009
Estou farta, literalmente farta,
Das instituições forjadas por compadrio,
Dos convénios adulterados pelos mentores
Da suposta serenidade e solidariedade social que
Convém manter patente sob a mais camuflada
Das mentiras, mesmo que
Na presença da sua indigência, mesmo que
Na presença do seu lamentável infortúnio,
Apenas visível para poucos, escassos,
Espíritos ainda não moribundos.


Será que não percebeis que isso do SOCIAL
É uma mera fraude, uma farsa intencionalmente
Estabelecida em nome do que convém ser
Estereotipado, apenas por alguns, para consumo
Inconsciente ou silenciosamente consciente
De todos os outros, bodes expiatórios de todas
As farsas do suposto Direito, da suposta Justiça?

CONSUMO. Essa é a palavra que dita
Os contornos das mentes distraídas,
Psiquicamente manipuladas pela propaganda
Insolente e desavergonhada dos visos
Repletos pela ignomínia trucidante
Dos espíritos ego-centricizados num ponto qualquer
Deste Universo da demagogia exaquerável.

O SOCIAL? Ah, o SOCIAL assim moldado, hipocritamente,
Nas franjas largas da corrupção e do desvario
De um poder sem escrúpulos de qualquer espécie!

O SOCIAL, este SOCIAL... que se exploda
A partir do podre interior de si próprio
Que o mina e nos contamina.

Este SOCIAL é o estar das mentes quadradas
De ideias ocas nos vértices encalhadas por dogmas
Surrealistas sem reversibilidade possível.

Abomináveis ditadores deste SOCIAL
Que NINGUÉM sois – Morram, morram já,
De uma só vez e para sempre.

Isabel Rosete
Ílhavo, 04/01/2008
Ah a singeleza do simples
Que enobrece a minha Alma
Sedenta do Puro, do Maior,
Do Primordial, do Princípio,
Do Começo do Começo, onde,
Um dia, tudo brotou na sua
Nudez originária, no desassombro
Daquela luz tão límpida, agora apagada
Pelas raízes negras das trevas do Mundo!
Porém, não se foi, de todo.
Corre-me no sangue, percorre-me todo o corpo,
Essa necessidade absoluta do primogénito,
Da inquietante estranheza inicial
Encarcerada, depois do Paraíso, na cápsula do
Social que olvidou, por mera conveniência estratégica,
Essa dimensão tão genuína, onde, apesar tudo,
O convencionalismo não encontrou, não encontrará,
Jamais, o seu lugar.
Há sempre a aura das essências não corrompidas
Que resta, mesmo que escondida num lugar incógnito,
Com o seu escudo, só para alguns, penetrável.

Isabel Rosete
Ílhavo, 04/01/2008

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Sessão “Amores decantados”, 13 de Junho de 2010, Decante-Bar, 21.30h.
Concepção e organização: Isabel Rosete com a colaboração do Grupo Poético de Aveiro

I.

Se os girassóis florirem...
O nosso Amor continuará a ser eterno!

Mesmo que as amarguras da Vida
Perdurem,
Mesmo que a Morte nos
Separe!

Nada,
Ninguém,
Combaterá a intensidade
Da força do nosso Amor!

Sempre que o Amor é Rei...
Ah, sempre que o Amor é Rei!
Quando um Rei impera
Pela seiva divina que o legítima,
O imbatível consome-se.
Não há impossíveis!

Os obstáculos desaparecem
Pelo alento do Amor.
Todas as restrições
Podem ser contornadas!

Há um mundo infinito para explorar!

Emergem todas as potencialidades
Do Sentir,
Tão intenso e extenso
Quanto o próprio Universo;

Tão sublime
E tão belo,
Quanto o nascer de todas as coisas;

Tão cruel
E fatídico,
Quanto as fímbrias de todas as tragédias gregas.

E o Amor corre!
Ai, como corre!
Sem fim
Aparentemente visível,
Sem fronteiras
Claramente determinadas,
Sem muros
Obviamente impeditivos
Das possíveis manipulações do Eu.
II.

Amo!
Claro que Amo!
Mas,
Não sei bem o que amo!

Tenho medo de voltar a amar,
De voltar a sofrer,
De voltar a sonhar.

As ilusões crescem,
Quando se ama!
Emerge a dor,
A insatisfação,
A insanidade,
A insensatez...

Exterioriza-se a cólera
Na presença ausente
De um outro estado,
Sempre inacabado,
Sempre adiado.

Caminhos que não conduzem
A parte alguma,
Espreitam-nos no Amor.

Nos caminhos
Que se bifurcam,
Perdemo-nos
De nós
E do outro.

Encontramos o desfiladeiro.
Assoma o Vazio
De uma Alma deserta,
Dis-persa,
Em con-fusão...
Alienada pela adrenalina
Que sobe, Escorrega,
Desampara, inquieta...
Nos des-amores da contradição!
III.
O teu silêncio,
O teu olhar profundo,
Meu amor de sempre,
Preenchem-me a existência,
Por vezes, tão vazia de um
Inquietante Nada de Ser.

O teu singular perfume,
As singelas palavras
Que a tua boca pronuncia,
Embalam-me nos momentos de insónia.

Então, sossego,
Num sono mais-que-profundo!

Nesse momento,
Os Anjos regressam
Na paz imensa
De um beijo ainda não dado,
Na inquietude tremenda
De um corpo ainda não tacteado,
Mas, suado, pelo desejo,
Intenso, de o ser.
IV.

Cada passo que dás,
Meu amor, que já não és mais,
É o triunfo inglório da glória
Das nossas vidas
Vividas,
A ferro-e-fogo,
No desejo do estar junto
E do estar só.

Há um tremendo abismo entre nós!
Ainda não o viste,
Ainda não o sentiste,
Nessa tua caminhada
Solitariamente acompanhado?

Nunca estou contigo,
Mesmo permanecendo e partilhando
O mesmo leito,
Irremediavelmente cheio
Do vazio,
Da presença ausente de mim.

O teu amor esgota-me a alma
Pela obsessão desenfreada
Que te move e me aureola,
Sem intervalos.

A claustrofobia mental
Instala-se,
Num instante só.
E, a partir desse momento, já não sou eu,
Mas um espaço redondo de lamentações
Que me sufocam a mente,
Que me empedernessem o corpo
Logo despojado do ser,
Atrofiado,
Sem resposta…

Já não tens mais perdão,
Já não és nada de mim
Nem para mim, a não ser…
Um pedaço de mágoa e de dor
Que desprezo e abomino.

Não te pedi para me amares assim!

V.

Somos amantes
Inter-seccionados.
Esquecemos o Mundo.
Fechamo-nos
Nas nossas próprias conchas.

Esquecemos os Homens.
Queremos ser só nós.
Nada mais importa!

O Amor preenche-nos.
Por completo
Alimenta
Os nossos corpos
Ardentes,
As nossas almas
Inundadas
De intensa alucinação.

Temo-nos,
Apenas,
Um ao outro.
E isso basta-nos.
É mais do que Tudo.
Está para além do Nada.

Tornamo-nos esféricos,
Auto-suficientes.
Esquecemos o Universo.
Permanecemos
Em todos os espaços.

Somos o mesmo corpo,
A mesma alma,
O mesmo sangue,
O mesmo plasma,
A mesma pele...

Somos um só organismo
Que se auto-preenche,
Prenhe de fertilidade.

Esquecemos a Vida,
Vadia,
Repleta de futilidades.

Esquecemos a morte.
Somos eternos.
VI.

Nos duelos com o teu corpo
Encho a minha alma
De sangue virgem,
A jorrar pelo meu peito.
Toda a força orgásmica
Corre-me nas veias.

Amo-te até à exaustão
Do sentir;
Amo-te para além
Dos limites do dizível;
Amo-te até ao último
Impulso audível.

Os duelos
Sempre continuam,
Cada vez
Mais intensos,
Porque a força do Amor nos move
Em todos os caminhos
Que se bifurcam.

Não quero parar de me debater
Com o teu corpo, único,
Com a tua alma, tão singular,
Que me extasia as moléculas,
De imediato,
Em estado de com-bustão.

Assim te amo
Na ponta da espada, sem bainha,
Sempre pronta a atravessar
Todas as tuas células,
Em inflamação;

Assim te amo
Nos cortes e recortes do teu corpo,
Delgado e nu
De emoção.

VII.

Orgasmos de melão e abacaxi,
Com alho,
Percorrem-me o corpo
De cima para baixo,
De baixo para cima,
Numa alegria estonteante,
Imensa!

A minha pele torna-se leve,
Macia, aveludada…
Qual seda escorregadia
Que inflama,
Orgasticamente,
A minha e a tua alma
Que, de repente, clama!

A chama do orgasmo
Preenche a libido.
Vulcões se acendem,
Lavas sedentas de prazer
Apelam ao teu corpo,
Cheio de graça!

A felicidade?
Ai, a felicidade!
É infinita!
Eterniza-se naquele momento,
Primeiro, único…,
Inesquecível…

Isabel Rosete

domingo, 5 de setembro de 2010

Pensar num mundo que não é meu?

Para quê?

Interrogações existenciais corem
                                 Em cadeia
Por este meu espírito em constante devir.


Não sossega perante nada,
                   Nem ninguém,
Nem mesmo quando os olhos se fecham
E procuro dormir.

Sempre observador,
Nada lhe escapa.

Tudo o move ao permanente estado
De questionação, de dúvida
- por vezes céptica, por vezes metódica –
De crítica e de meditação.

Nunca se acomoda.
Este meu pensamento
Vive em rebeldia perene.

Nunca está satisfeito,
Nunca entra em estado de serenidade,
Mesmo que a paz nele assome,
Durante escassos instantes.

Não pára!
Não pára!

Não se acomoda!
Não se acomoda!

Vê sempre um “porquê” por encontrar
Na transparência opaca das coisas,
Desde as mais simples e singelas,
Até às mais complexas,
Conflituosas ou dilemáticas.


Isabel Rosete