domingo, 9 de dezembro de 2007

Duvido que seja eu quem escreva

Duvido que seja eu quem escreva
Neste vale de lágrimas impetuoso
Sem deuses
Sem homens
Sem destino…

Agarro a vida por um fio
Tão subtil
Tão frágil
Tão leve
Como as asas dos pássaros migratórios…

O sussurro do mundo envolve-me
Embala-me
Num lento e doce caminhar…

Sinto-me leve
Abandonei todos os grilhões…

A minha alma
Eleva-se
Confunde-se com as nuvens de um céu claro
Transborda de serenidade…

Entrou
Por um momento
Em harmonia consigo mesma
E com o Mundo

Fechou
Por parcos minutos
Os olhos à hipocrisia
À mediocridade
Ao vil
Ao comum…

Enaltece-se
Com a grandiosidade do Universo
Vendou os olhos para os terrores humanos…

Isabel Rosete
03/09/07

O artista não é um imitador

Não,
O artista não é um imitador…

A arte não é mimésis
Cópia simples da realidade…

Dá-se no desflorar da verdade
No brilho da sua adveniência
Que é o Belo

Na plena libertação dos sentidos
E do sentir…

È matéria e forma
Talento e génio
O dizível e o indizível
O latente e o manifesto
O in-habitual…

Uma outra mundividência
Que nos aliena do quotidiano…

Uma dádiva epifânica
Que aí se mostra
E sempre nos fala
Do íntimo
Das “coisas-mesmas”
Sempre tão próximas….
Sempre tão distantes…

Isabel Rosete
26/05/2007
10/11/07

Maquiavélicos

Maquiavélicos,
Somos…

Criativos,
Nobres,
Também somos…

Apesar de toda a miséria
Da mediocridade
Da menoridade
Que nos preenche a alma…

Isabel Rosete
10/11/07

Amo o Silêncio ...

Amo o silêncio…

O ruído das máquinas
Fere os meus ouvidos
Tão puros,
Tão singelos,
Quanto cada amanhecer

Os sons das trombetas dos anjos
Espero ouvir
Ao entardecer

As suaves melodias das almas
Espero beber
Ao anoitecer

Os sons da Terra
Espero sentir
Em cada renascer…

Amo a pureza de cada ente Nu
No despertar da Humanidade
Que suspira
O Virgem
O Fértil
O Imaculado
De todo o desflorar da criação
Em todos os seus estados de Graça…

Isabel Rosete
02/08/07
09/12/07

Amo a transparência ...

Amo a transparência
A lucidez das formas
A visibilidade dos conteúdos

Amo o Mar
O pôr-do-sol,
Reflectido nas águas cristalinas

Amo o vento
Que espalha as areias,
Pelas praias desertas

Amo a Vida
Perdida,
Em todos os rumos
Procurada,
Em todas as veias
Ainda não dilaceradas…

Amo os Amores
Os meus,
Que vão e vêm
Os dos outros,
Que estão aí
E alimentam a roda do mundo

Amo a criação
“Des-veladora” do Ser de cada ente
Que ganha forma
Num Mundo
Jamais feito à nossa medida…

Num Mundo
Castrador dos pensamentos
Livres e abertos,
Intolerante perante os actos mais arrojados
Diferentes
In-habituias…

Num Mundo que não comporta a excentricidade
Nem a identidade
Nem a alteridade
Nem nada…
Para além do imposto
Do instituído
Do convencionado…


Isabel Rosete
18/10/07
Consciência Negra: Racismo ou Xenofobia?

Será que faz sentido falar em "consciência negra" ou em "consciência branca", se somos geneticamente idênticos, igualmente seres humanos, animais racionais, naturalmente dotados de consciência? "Celebrar" um tal dia, enfatizar a ideia da existência específica de uma "consciência negra", não será mais uma forma de dar continuidade ao terrível processo de discriminação, marginalização, há muito iniciado e ainda não terminado?
Não há, propriamente falando, ou seja, do ponto de vista da essência, nem negros, nem brancos; nem amarelos, nem vermelhos. Há, tão-só, seres humanos. Nada mais.
Aliás, as pesquisas mais recentes da engenharia genética têm mostrado como é cientificamente incorrecto continuar a usar o termo "racismo".
Não existem várias raças, mas somente uma única raça: a raça humana, com algumas variações genéticas minoritárias, dadas, por exemplo, por dois ou três genes (entre os mais dos cem mil que constituem o genoma humano) responsáveis pela cor da pele, dos olhos, do cabelo.... Meros detalhes insignificantes. Por conseguinte, o termo "racismo" deve ser substituído, na nossa linguagem quotidiana, pelo termo "xenofobismo", quer dizer, o medo natural (de “fobia”, medo, aversão) que o ser humano normalmente tem ao que é simplesmente diferente.
Trata-se de um questão filosófico-antropológica de grande relevo. Trata-se da sempre e ainda discutida problemática da identidade e da diferença.
Diz o slogan: "Todos iguais, todos diferentes". Como interpreta-lo?
Simples:
1. "Todos iguais" – em direitos e deveres. Qual o fundamento desta tese? Todos os habitantes deste planeta, que ainda nos recolhe sob o seu tecto rarefeito, são, igualmente, seres humanos. Sob a base deste alicerce irrefutável foi aprovada, em 1948, a "Declaração Universal dos Direitos Humanos", lamentavelmente ainda esquecida – não tanto em teoria, mas em prática – por muitos Povos e Nações ditos civilizados;
2. "Todos diferentes" – as dissemelhanças essenciais entre os seres humanos não são dadas pela cor, ou por qualquer outro tipo de características meramente acidentais. Mas sim, pela cultura em que crescem e se devolvem; por um conjunto de hábitos, tradições, costumes, perfilhadas por um dado Povo. E também neste ponto, é completamente desarrazoada qualquer espécie de discriminação: não há, efectivamente, culturas superiores ou inferires. Há, somente, culturas diferentes.
Pelos argumentos expostos, torna-se claro que devemos caminhar no sentido da interculturalidade, da multiculturalidade, do diálogo inteligentemente “inter-seccionado” entre as diversas culturas. Aqui reside, a um tempo, o enrequicimenteo da Humanidade e o desenvolvimento progressivo da Raça Humana.
Devemos, ainda, centrar a Educação dos Povos num universo naturalmente pluricultural, não partindo de uma estratégia de dominação, mas do diálogo aberto, sem “pré-conceitos”.
Senão vejamos: Os Índios da América – para citar apenas um exemplo entre tantos outros espalhados por este mundo – caracterizam o homem branco como o homem de “língua bifurcada”, isto é, o “homem que tem duas palavras”. Será que nos revemos, nós brancos, nesta qualificação?
A educação das nossas sociedades está marcada por estratégias de dominação, onde o “discurso” e o “canhão” “co-habitam” e/ou alternam como instrumentos de guerra. Porém, a ignorância do Outro conduz-nos à ignorância de nós mesmos e, a limite, à nossa própria destruição.
As ciências trazem, elas também, a marca da sociedade em que nasceram. Urge, por conseguinte:
1. Inventar uma nova linguagem, uma nova forma de comunicação e de entendimento, ainda mais universal do que a Língua dos Homens.
2. Estabelecer, de uma vez por todas, um diálogo de plena comunhão com Outro;
3. Aceitar a diferença e conviver pacificamente com ela;
4. Respeitar os deveres para consigo mesmo e, concomitantemente, os deveres para o outro.

Tenho dito.

Isabel Rosete
21/11/2007

PS: Acabei de escrever este texto para todos vós. É apenas a minha tese sobre esta problemática, tão discutível como qualquer outra.

«Paixão de Cristo» / Natal 2007



Não há propriamente data determinada nem para o nascer, nem para o morrer de Cristo – essa “ex-traordinária” e iluminada figura que a História nos doou, por vontade de Deus – para além daquelas que são convencionadas no calendário.
Não obstante estarmos bem perto de comemorar o nascimento de Cristo e, por extensão, a paz, a solidariedade, a luz, a verdade, o bem, o amor, a amizade... não nos podemos esquecer que o Mundo continua a sofrer, a ser martirizado e crucificado como Cristo o foi, um dia.
Iludir a realidade pelas comemorações convencionais não faz a humanidade crescer, pensar, reflectir, sobre esse sofrimento, físico e psíquico, de que ela mesma é vitima, a partir das suas próprias mãos, ensanguentadas, amiúde, pelo sangue jorrado dos corpos inocentes.
Enquanto uns estão à mesa, na noite de ceia, a confraternizar com as suas famílias, em paz e alegria, deliciando-se com o mais requintado dos manjares, trocando os mais caros e belos presentes, outros morrem de subnutrição, são vítimas de balas perdidas, da má fé, das guerras injustas, da violência gratuita.
Claro que este texto, que escrevi a propósito de uma discussão com amigo meu sobre o filme de Gibson é, naturalmente, provocatório, propositadamente, provocatório, se nos centramos, apenas e redutoramente, no contexto natalício que já estamos vivendo.
Porém, o objectivo é mesmo esse: abanar as consciências, incitar as mentes à mais profunda reflexão, fazer renascer o espírito crítico, por detrás de todas as máscaras ou de todos os discursos demagógicos.
O sofrimento, a maldade, a violência, a crueldade... não acabam pelo simples facto do Natal estar próximo. Lamentavelmente continuam, embora camufladamente.
Recuso-me a ludibriar a realidade; recuso-me a compactuar com a hipocrisia dos homens, que só se lembram que há mendicantes, crianças e velhos, moribundos e desamparados, povos em guerra…, quando o Natal é, oficialmente, comemorado.
A memória dos homens deve deixar de ser curta… a memória dos homens não deve apenas ser testada, assim como a sua humanidade ou “pseudo-humanidade”, quando o socialmente instituído é festejado.
O Espírito do Natal jamais se deve restringir ao dia 25 de Dezembro... O Espírito do Natal deve estar presente em todas as mentes, todos os dias.
As luzes que, incandescentemente iluminam as ruas, não conseguem eliminar a miséria humana, pelo menos aos olhos daqueles que vêem sempre mais longe, para além das aparências, das convenções, dos preconceitos, ou do chamado politicamente correcto.

Isabel Rosete
09/12/007

Sobre o filme de Gibson:«A Paixão de Cristo»

Se lermos os capítulos da Bíblia em que Gibson se inspirou, é isso mesmo que sente, vê, escuta. Todos os relatos da época confirmam, sem reservas, essa crueldade, essa "des-humanidade", essa insensata histeria colectiva movida pela agressividade... Por isso, não me parece que o realizador tenha enfatizado ou empolado a realidade. Apenas a mostrou como ela é em si mesma.
A humanidade é assim mesmo: cruel, violenta, vil... Toda a história o mostra. Só que nem sempre o queremos ver. Ou, simplesmente, não convém que o vejamos.
Cristo foi apenas mais um, entre ouros, mártire dessa crueldade, bestialidade ou insensibilidade exacerbada dos Homens.
Cristo não convinha ao sistema instituído. Foi um revolucionário. A sua filosofia contestatária. Naturalmente, tinha de ser morto, como também o foi Gandhi, só para dar mais um exemplo histórico.
Assim é a postura de todos os regimes políticos totalitários, os de ontem e os de hoje. São dogmáticos. Não admitem outras verdades, outras visões do mundo, ou, outra ordem...
É preciso mostrar ao Mundo, do modo mais realista possível, o que ele é em si mesmo.
Na verdade, o Mundo não é um mar de rosas, mas um mar de espinhos, camuflado por belas, cheirosas e aveludadas pétalas...
São estas algumas das razões que me levaram a colocar essas imagens em cena. Devem ser vistas, pensadas, analisadas com os olhos da razão.
Precisamos não esquecer, nunca, que estamos minados pela hipocrisia, pela inveja, pela violência, pela guerra, entre alguns escassos momentos de paz e de enaltecimento dos valores que autenticamente devem prevalecer: a verdade, a honestidade, o bem, a solidariedade, o respeito pelas diferenças...
Espero que tenha sido clara. Obviamente que esta é a minha perspectiva, tão discutível como qualquer outra. Mas, penso, seguramente realista, porque alicerçada em factos históricos devidamente fundamentados e, por conseguinte, incontestáveis.

Isabel Rosete
07/12/07

Pensamentos Dispersos, 18/10/07

I.
Portugal: Uma pátria desolada nos confins da Europa. Outrora, vitoriosa, no “reino cadaveroso da cultura”.
Portugal: um Povo, uma massa de gente deslumbrada, com outros modos de fazer mundos, com os mundos das outras Pátrias, não perdidas nas marés do assombro.

II.

* Amo o Mundo, fechando-me dentro de mim própria…

* Não há espaços que nos absorvam nos caminhos da Vida e que à Morte não nos conduzam….

* Vivemos…Estamos…Caminhamos…em que direcção? Não o sabemos. Mas, algum Destino nos guia…

* Somos o que somos. Não mais do que somos.

* Amamos, odiamos, sentimos… Somos humanos.

* A morte faz-se e desfaz-se, em cada pedaço de Vida…

* Sorrio, sempre, como se as rosas não tivessem espinhos…

* Resta-nos pensar o Infinito…

* Não temos Vida. Vamos vivendo. Não temos esperança. Permanecemos expectantes…

* Suamos por todos os poros o que a Vida não nos dá.

* Permanecemos nos rodeios da Vida, com indeléveis marcas de esperança.

* Não posso esperar que o Mundo venha ter comigo… Vou ter com o Mundo…

* A inocência não é sinónimo de infantilidade. Mas, tão-só, da Pureza da Alma.

* O Amor arde, queima, corrói… Sobressalta os corações, sempre na expectativa de um outro amanhecer…

* Os amantes são sôfregos.

* O Amor entusiasma. Leva os corações para uma outra idade.

* As gerações são como um ciclo, em perpétuo ou eterno retorno…

* Há almas que fazem transparecer o hálito opaco dos corpos imundos…

* Cogitar o impossível. A maior satisfação do Ego.

* O Mundo, em perpétuo movimento, mantém-se sob a corda bamba do equilibrista.

* Movemo-nos no espaço incerto do Universo comunicacional. Sempre presentes e ausentes de todos os auditórios.

* Passamos ao lado dos outros. Não os vemos. Vemo-nos a nós mesmos.

III.

* Assumir, convictamente, a identidade… Seguramente, o maior esforço de todo o ser humano, neste Mundo de falsas identidades ou de identidades camufladas, mergulhadas no espaço camaliónico das “diferenças” impostas, improvisadas, por esta sociedade do “parecer-ser”, em nome de um tal “bem-estar” comum.
Pura hipocrisia anulativa das dissemelhanças, da diversidade, que faz a singela Beleza, intrínseca à essência de um Mundo, a que já não pertencemos mais.
Adulterámos as Leis da Natureza. Instaurámos o caos cósmico. A isso, chamamos progresso. Que progresso? O da rarefacção da camada de ozono? O do efeito de estufa e do degelo dos oceanos? O do “des-equilíbrio” dos ecossistemas? O da miséria das crianças sub-nutridas? O dos Povos famintos? O da infelicidade dos homens que clamam o Paraíso perdido?
O “progresso” da irracionalidade, das mentes inconscientes, dos pensamentos corroídos pelo ódio, instaurou-se, definitivamente, no seio desta massa humana, indefesa, des-norteada, que hoje somos.
Coitados dos homens. Tão potentes e tão frágeis, ao mesmo tempo. Meras peças soltas do grande puzzele, o puzzele universal, onde já não se encaixam mais.
Somos mero pó em incandescência dissonante. Brilho opaco dos restos do lixo cósmico, em degeneração total.
Corremos pelos leitos de todos os rios, que, no mar, não desaguam mais.
Perdemo-nos de nós mesmos. Não nos encontramos mais. Rodopiamos num círculo imperfeito de esferas desencontradas, de espaços sem intersecção, indefinidos, incertos, indeterminados, mas, ao mesmo tempo, “extra-ordinários”, libidinais, irrascíveis e concupiscentes.
Erramos, navegamos pelos espaços infinitos da imaginação. Buscamos o Infinito, o Eterno, o Imutável. Projectamos um futuro outro, apenas existente no mundo ficcional de todos os sonhos: do “princípio da realidade” se afastam, para erguer, sempre, o “princípio do prazer”.
Velejamos por todos os mares. Pairamos por todos os espaços siderais. Percorremos todos os caminhos da Floresta, sempre paralelos, sempre descontínuos. A escolha não é mais possível.
Esmagamos um Ego desesperado, descentrado de si mesmo, tão narcísico, quanto paradoxal. E, no entanto, ainda somos aves de rapina, predadores universais, dominadores de todas as possíveis presas, camuflados com o meio, que já não é mais natural.
Percorremos todos os atalhos. Edificamos uma nova ordem. A da caoticidade mundial. E, no entanto, ainda somos apelidados de “animais racionais”.
Que racionalidade é esta, criadora de um tempo de infortúnio? Que racionalidade é esta, “des-veladora” de todas as misérias? Que racionalidade é esta “re-veladora” da massa indigente das gentes vagueantes?

IV.

* Convivo com o Mundo dentro de mim própria. Basta-me.

* A “Paz Perpétua” reina dentro de mim. Conquistei a felicidade.

Pensamentos Dispersos, 12/11/07

* Não quero viver no Inferno das noites claras,
Na solidão das gentes,
Nos espaços atópicos de cada pensamento,
Nos espaços indefinidos dos pensamentos dispersos.

* Não quero a luz opaca dos olhares indiscretos. O brilho negro dos falsos sorrisos. A demagogia retórica das palavras sórdidas. O cheiro nauseabundo dos corpos em putrefacção.

* O Mundo está podre. Rejeito-o completamente. Recuso-me a compactuar com a hipocrisia, com as falsas verosimilhanças, com as vãs ironias, com as inglórias inteligências dessas mentes foragidas, que nada vêm. São inúteis. Completamente inúteis. Perpetuam, apenas, um saber “fantasiado”, com longos rasgos de ignorância extrema.

Pensamentos Dispersos, 15/11/07

* Distante, no meu Mundo, penso as trilhas da Vida e da Morte.

* Viver é o quê, afinal? As respostas são múltiplas. Nenhuma me satisfaz…

Pensamentos Dispersos, 20/11/07

I.

* O meu corpo, morto, embala-se nas cinzas do chão que, um dia, o deixou esvanecer.

* Quero viver Tudo, intensamente, como se cada instante fosse o último dia do resto da minha Vida.

* Sou a exemplificação da Hipérbole…

II.

* A monotonia congela-me o cérebro. Irrita-me a alma, ávida do sempre novo, do perpetuamente diferente, da metamorfose, do mistério, do enigma, de todas as incógnitas…
A minha alma requer o desafio do desconhecido, do nunca visto ou imaginado. Do impensado e do impensável. Caminha para o impossível, para o reino efémero da ausência de limites, para o paralelamente infinito, para todos os caminhos, até mesmo para os mais recônditos.
Procura a inocência primeira, a leveza do Ser de todas as coisas, animadas e inanimadas, terrestres e celestes, no seio dos dois lados da quadratura perfeita: os Homens, a Terra; os Deuses, o Céu.
Busca o infinito, na esperança de encontrar um mundo novo, perfeito. Este já está gasto, saturado, desgovernado, demasiadamente costumeiro para quem deseja ver mais longe, para além das ilusórias aparências que ofuscam o olhar primogénito.
A minha alma procura, sem cessar, a liberdade, esse espaço aberto de expansão total do Tudo, onde não há o acaso, nem o vazio, nem o nada.
Quer percorrer os círculos viscerais de todos os entes. Ama a Totalidade, na sua grandeza, que foge aos estreitos limites do Tempo, do Espaço, do Destino.
Vagueia por todos os lugares. Não cabe dentro de si mesma. Procura o Aberto, onde Tudo se funde, em perpétua comunhão com o Ser, o Estar e o Pensar.
A minha alma pensa o Mundo. Esmorece perante o caótico cenário da miséria humana. Quer mudar o Mundo, a mente das gentes agrilhoadas à mesquinhez do mero sobreviver. Quer ultrapassar as barreiras do tempo e do espaço. Quer ser eterna.
Não é narcísica. Vê-se ao espelho. Reconhece a sua própria identidade. Sofre com todos os “Epimeteus”…Deseja todos os “Prometeus”…
Sente-se só. Desamparada, neste espaço cósmico “des-humanizado”, que não suporta a disparidade da alteridade.
Quer renascer num mundo novo, com a hierarquia axiológica adequada…. sem rótulos, sem rebanhos, sem congeminações forçadas e infundadas. Quer crescer no topos infinito de todos os oceanos…

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Pensar Abril, I

O 25 de Abril…
A Liberdade…

O Zeca
Que nos fez acordar
De uma longa noite de trevas

O 25 de Abril…
A voz audaz de um povo
Até então
Calado
Adormecido…
A consciência dessa voz
Que nos iluminou o futuro

O futuro?
Que futuro?
O da politica demagógica?
O da falsa democracia?

O futuro que já não se silencia,
O futuro da expressão de todas as cores
Rosa, laranja, vermelho, verde, amarelo…

O 25 de Abril…
O eco de pensamentos outros,
Do diálogo ou da conversa fiada,
Da trama das ideologias
E da teoria da inexistência das ideologias

O 25 de Abril…
O amor e a paz
Sempre adiadas
Mesmo depois do terminus da guerra colonial…
Dos homens mutilados,
Dos corações de mulheres despedaçados;
Das almas das crianças órfãs,
Que assim nasceram
Á luz da promessa de uma nova idade…

Isabel Rosete
24/04/1999

Pensar Abril, II

Vinte e cinco anos passados
Restam-nos as memórias
Dos horrores da Guerra,
De uma sociedade que
Em nome dos cravos vermelhos
Um dia ousou gritar:
Liberdade

Liberdade:
Essa palavra de ordem
Que fez cair
Um Regime eternamente enraizado
Que arrancou
Com todas as armas
A tirania dos pretensos opressores

Liberdade:
O sinal do dizer aberto
Há muito ocultado
Pelo véu da falsa ordem
Há muito camuflado
Sobre a tríade
Deus
Pátria
E Família;

Liberdade:
O sinal do dizer aberto
Há muito velado
Nos meandros da paupérrima cultura
De um povo
Que convinha manter ignorante
Analfabeto …
Em nome da ausência
Do espírito crítico,
Da mente desperta
E do pensar astuto

Vinte e cinco anos passados
E aqui estamos nós
Quiçá em uníssono,
A comemorar
Com milhares de cravos vermelhos
O grande acontecimento da Liberdade

Isabel Rosete
24/4/1999

Pensar Abril III

Volvidos vinte e cinco anos
Já não somos os mesmos

Avistamo-nos com um outro rosto
O rosto da política da integração europeia
Da integração comunitária
Da moeda única,
Da adaptação ideológica…

O rosto
Quiçá
Da desintegração cultural e apátrida…
O rosto
Cuja voz
Já não sabe cantar o hino nacional…
O rosto
Cujos traços e as cores,
Já não são
Talvez
Os da nossa bandeira

Volvidos vinte e cinco anos
Já não somos os mesmos

O que somos, então?
Um povo errante,
Ainda e sempre
No resto da cauda do mundo,
Que outrora conquistámos
No preciso momento em que o perdemos.

Erguemos o Convento de Mafra
Com o ouro vindo do Brasil

Edificámos a Torre de Belém
E o Monumento das Descobertas,
À custa de longas e saudosas lágrimas
Dos que sempre partiram
E dos que sempre ficaram

Qual Velho do Restelo se ousa, ainda, erguer?
Qual Adamastor, povoa, ainda, os nossos mares?
Quais ondas alterosas se erguem, ainda, desse imenso mar?



Isabel Rosete
24/4/1999

Pensar é Plantar uma Estrela ...

Pensar…
É plantar uma estrela
Que brilhe no céu do Mundo

Todos os pensamentos são necessários
Mesmo os mais fúteis

Pensar…
Em nome do diálogo
Sem preconceitos

Em nome de todos os rostos
De todas as raças
De todas as cores
De todas as religiões
De todas as políticas
Com espírito crítico e racionalidade...

Pensar…
Em nome da criatividade
Da inteligência
Da sabedoria
Do crescimento do Homem
Ser pensante e actuante
Postado num Mundo
Que sempre apela
Para o seu auto-controlo

Pensar…
Em nome da paz
Que as guerras afasta
Da amizade
Que supera o egocentrismo
Da serenidade
Que embala os espíritos alucinados
Do canto harmonioso dos pássaros
Que apazigua as almas inquietas

Pensar…
Em nome da salvaguarda da Terra
E de todos os seus frutos

Em nome da humanidade
Que ainda nos resta

Em nome da Vida
Que nos doa a seiva divina

Em nome dos mais indecifráveis mistérios
Que nos lançam para o Infinito...

Isabel Rosete
Novembro, 2007
23/01/08

Pensar é ver as Estrelas ...

Pensar é ver as estrelas
Que um dia
Desabaram sobre o tecto do Mundo…

Pensar é ler o além
Tão esperado
Como desesperante
Face aos mistérios do Mundo
De que apenas temos sinais
Signos
E vestígios de signos…

Isabel Rosete
19/01/2001
22/01/08

Os Pratos da Balança

Os pratos da balança
Já não se equilibram mais…

A medida certa acabou
A incerteza
A dúvida
São o paradeiro
De um caminhar
Em terreno
Fatalmente
Movediço…

Numa massa estanque
Informe e disforme
Se movem os nossos paços
Inquietos…

Sempre
Nos prendem as pernas
Sempre
Nos atrofiam os músculos…

Que ilusão
A dos Homens
Supostos senhores
Dominadores
Do espaço cósmico
Que tão debilmente habitam…

E o Mundo?
O Mundo está aí
Permanece imutável
Na sua essência
Apesar de todas as investidas
Destas Criaturas desnorteadas…

Acompanha
De perto ou de longe
O furor das multidões em revolta
Contra o previamente imposto
Contra o dogmaticamente determinado
Pelas Instituições
Pela Natureza
Por Deus
Ou pelo Destino…

Ai…
Esta Humanidade
Alimentada
Pela estéril ilusão
De Tudo manipular
De Tudo governar…

Ai…
Esta Humanidade
Pretensa tutora
De um Cosmos
Infinito
Imenso
Ou invisível
Aos cegos olhos
Do comum dos mortais…

Um Cosmos
Sempre aberto
Sempre camuflado
Velado e des-velado
No enredo labiríntico
Da sua própria Teia
Em constante mutabilidade camaliónica…

Isabel Rosete
19/01/01
23/01/08

Não Suportamos Sobreviver

Não suportamos sobreviver

À vivência do Nada
Do Vazio
Da extensão do Ser

Que se perpétua
Por todas as épocas
Por todos os tempos

Reais
Possíveis
Imaginários
Ou seja lá o que for…

Isabel Rosete
16/07/07
25/01/08

Uma Paixão Ardente me Consome...

Uma paixão ardente me consome
Corrói todo o meu ser
No mais recôndito de si mesmo

Trespassa a minha alma
Com espinhos agudos

Uma fina dor se eleva
Move e remove
As minhas entranhas

Estremeço
Quando ouço a tua voz

Todo o meu corpo vibra
Na proximidade da tua presença

Sinto-me em mim…

És um sopro de vida
Alimentas todo o meu ser
Sugas as minhas energias…

Fico débil
Numa hipersensibilidade indescritível
Incontrolável
Desesperadamente avassaladora
Desconcertante…

Isabel Rosete
25/01/08

Angeologias

ANGEOLOGIAS

Entrar no universo dos Anjos…

Uma metafísica angeológica
Se nos impõe

Uma ontologia
Uma diferença ontológica

Uma escala
De gradação de entes

De criaturas
Na sua irredutibilidade
Enteológica…

Uma diferenciação
Topológica
Cronológica
Nos traços invisíveis
Da dualidade cosmológica…

Dois mundos distintos
Se presentificam
Interpenetram
Pelo mais ténue sopro
Que choca
O rosto dos Homens…

O alento
De uma presença incógnita
Sente-se
Pressente-se
E não se vislumbra mais…

A indelével mão do Anjo
Toca em cada ombro deserto
Num momento de angústia
De desespero existencial
Em desvario
Em alucinação…

Acalma
Tranquiliza
Apazigua…

Traz a esperança
De um Mundo
Mais luminoso
Isento do vazio
Da solidão…

O toque da mão
Não vista
Incomensuravelmente sentida
Por um encéfalo
Fonte de inteligência
De recordação
De afecto…

Comunicante
Monadicamente
Com outros encéfalos…

No seio da multidão
Da massa humana
Indiferente
E indiferenciada…

No caótico trânsito da cidade
Comandado por projectos ideias
Ainda se medita
Em escassos momentos
Sobre o sentido da Vida
Da Morte
Do Ser
Do Não-Ser
Do Nada…

Um caminho
Entre muitos
Entrelaça
O “jardim de caminhos que se bifurcam”
Entre uma visão a cores
E outras a preto e branco…

Sim…
“Os caminhos que se bifurcam”
Qual universo borgesiano…

A cada passo
Se ergue um labirinto
Infinito…

Todos os homens se perdem…

Um labirinto de labirintos
O labirinto do Minotauro…

Sinuoso
Cresce
Abarca o passado
O futuro
Um outro tempo…

Envolvente
Indeterminado
Permanece
O labirinto conflituoso
Morada
Perpétua
Do conhecimento
Abstracto do Mundo…

De longe
Se vislumbram
Os restos de tarde
Entre os caminhos
Que se bifurcam
Por entre as várzeas indistintas…

A música aflora
Aguda
Grave
Inquietantemente suave
Arrebatadora
Embaladora
Magica
Embriagante…

Silábica
Se aproxima a melodia…

Se afasta
Também
Com o vai-vém do vento
Que as folhas
Desloca
E os bandos de pássaros
Encaminha…

Povoam todos os céus
Como nuvens escuras
Anunciantes das tempestades...


Se escondem os Anjos
Eternos observadores
Das multidões agoniadas…

Mensageiros
Comissionários das palavras
Locutores ocultos
Intermediários discretos…

Companheiros ignorados
Guardas
Abrigos
Ternas sombras dos Homens…

De assas brancas
Ou negras
Neste tempo de indigência
Aí estão
Como entes alados
Vagueantes
Num espaço
Atópico…

Num tempo
Intemporal
Num tempo
Redondo
Fora do alcance da Humanidade…

Atentamente
Viajam
Vigiam
Espreitam
E escutam…

Penetram
Na interioridade dos Homens
Eles que são “Nada”
E estes que são “Tudo”...

O Universo dos Anjos
Eternamente invisíveis
“Tão longe e tão perto”
“Nas asas do desejo”…

Entre o Mundo
Da efemeridade do visível
Das coisas mutantes
Da permanente metamorfose…

Entre o Mundo
Da dádiva do Ser
Da eternidade do invisível
Da perenidade de uma outra Existência…

Não há fuga possível
Até que a morte nos separe…

Não há fuga possível
Até que vejamos
O outro lado da Vida
Não iluminado
Não voltado para nós…

Assim clarifica
Rilke
O poeta do Anjo
Belo e Terrível
Consagrado
À celebração da Vida
E da Morte
Do terrestre
E do celeste…

Do Aberto
Da Terra silente
Em grito de alerta
Em desespero
Silenciador
Do ruído ensurdecedor das máquinas…

Isabel Rosete
Outubro, 2007
25/01/08

(Fonte de inspiração: Wim Wenders, “Asas do Desejo”/ “Tão Perto tão Longe”; Rainer Maria Rilke, “Elegias de Duíno”))

É Tudo tão Descartável ...

É tudo tão descartável…

Os Homens
Já não sabem mais
Qual o seu “topos” originário
Há muito perdido
No Labirinto do Minotauro
Sem fio de Ariana
Visível…

Isabel Rosete
9/06/2007
(5.50h)
05/01/08

Não sei Amar ...

Não sei amar
Sem sofrer
Sem me angustiar
Sem ausentar a dor…

Não sei amar
Num sereno
Campo de girassóis
Na quietude
De uma noite de Lua cheia

Na incandescência do fim da tarde
Ao pôr-do-sol
Na suavidade da areia
Das praias desertas …

Não sei amar na paz
De um encontro de amantes…

Sempre advém o turbilhão
Dos desejos
Dos quereres
Dos seres
Dos estares
Libinidalmente inquietos…

Uma ansiedade
Desmedida
Remove-me as entranhas…

O desassossego perpetua-se
A impulsividade eterniza-se
Des-constroem-se
Todos os pedaços de mim…

Sobrevivem fragmentos
Em pleno estado de combustão…

Peças soltas
Em desordem
Em con-fusão
Em dis-persão…

Isabel Rosete
25/01/08

Somos o Caos

Somos o caos
De onde já não se gera a ordem…

Micro-fibras
De um tecido enrugado…

Fios da teia intra-mundana
Rarefeita
Desfeita
Pelas nossas próprias mãos…

Somos o Tudo e o Nada
O Tempo e o Espaço
As marés
Os rios
Os oceanos…

Somos os ventos
As tempestades…

Os vulcões e a sua lava
Quente
Ardente
Incandescente
Derramada por montes e vales…

Somos perfeito dinamite
Sempre pronto a explodir…

Os sismos
Somos também
E a Terra fazemos estremecer
Tremer
Quebrar
Oscilar
Ruir…

Somos a poluição
O dióxido de carbono
A chuva ácida
O lixo cósmico…

Os vírus
As bactérias
Os fungos
Que tudo contaminam…

Somos pó
Putrefacção
Revestidos de formas
E fórmulas
Incalculáveis…

O amálgama do Mundo
Dos céus
De todos os homens
Dos deuses
Do Olimpo despejados…

Somos os Astros
As Estrelas
Que nem sempre brilham…

As faces de todas as Luas
As giratórias de todos os planetas
Os anéis de Saturno…

Somos a hipocrisia
O oportunismo
A demagogia
Os defensores das causas
Só em aparência
Relevantes…

Somos a guerra
A paz
A desordem
E a ordem…

Os guerreiros das batalhas perdidas
Contra nós
Contra os outros
Contra o Mundo…

Somos o possível e o impossível
O sonho
O real e o imaginário
O virtual
Que se presentifica
Em cada acto de comunicar
À distância
Próxima de todas as comunicações
Intercontinentais…

Somos todas as lágrimas
Derramadas
E por derramar…

Todas as aventuras
Todos os gestos
Todos os actos
Todos os pensamentos…

Todas as vontades
Todos os quereres
Todos os estares…

Somos…

Isabel Rosete
14/07/07 - 5.00h
25/01/08

Amo a Arte

Amo a Arte
A mais nobre invenção
Do espírito humano…

A si tudo chama
Clama…
Canta…
Eterniza…
Epifaniza…

Na mostração de um tempo outro
O artista dá-se
Na sua identidade
Iluminatória

Um ente hábil
Tudo vê
Tudo acolhe
Recolhe…
Escuta…

Permanece
Intacto
No espaço universal
Junto das orelhas da Terra
Em constante grito de alerta…

Move-se
Contra as degeneradas
Investidas tecnológicas

Remove-se
Contra os desequilíbrios
Eco-sistemáticos

Protesta
Contra as artimanhas
Do progresso
Que sempre avança
Sem auto-crítica
Sem racionalidade…

Isabel Rosete
26/05/2007
25/01/08

A Morte do Outro ...

A morte do outro
Apraz-nos bem
Engrandece o Ego
Em busca de auto-satisfação…

Quem disse que o homem
Nasce naturalmente bom?

Quanta ilusão
Quanta alucinação
Quanta aparência
Quanta insolência…

A finitude do outro
E do mesmo
O acabamento
A aniquilação…

Um outro espaço
Um outro lugar
Um outro tempo
Uma outra vida…

Isabel Rosete
26/05/2007
15/01/08

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Somos Amantes

Somos amantes
Inter-seccionados…

Esquecemos o Mundo
Fechamo-nos
Nas nossas próprias conchas…

Esquecemos os Homens
Queremos ser só nós
Nada mais importa…

O Amor preenche-nos
Por completo…

Alimenta
Os nossos corpos
Ardentes…

As nossas almas
Inundadas
De intensa alucinação…

Temo-nos um ao outro
E isso basta-nos…

É mais do que Tudo
Está para além do Nada…

Tornamo-nos esféricos
Auto-suficientes…

Esquecemos o Universo
Permanecemos
Em todos os espaços…

Somos o mesmo corpo
A mesma alma…

O mesmo sangue
O mesmo plasma
A mesma pele…

Somos um só organismo
Que se auto-preenche
Prenhe de fertilidade…

Esquecemos a vida
Vadia
Repleta de futilidades….

Esquecemos a morte
Somos eternos…

Isabel Rosete
06/08/07
25/01/08

Sinto a Humanidade

Sinto a Humanidade
Penso nos Homens
No Mundo que criaram
Em pleno estado de agitação…

Os meus horizontes auditivos alargam-se
Escuto o pulsar assustador
Dos corações
Aflitos
Amargurados
Despedaçados…

Já não ousam mais sonhar
Já não ousam mais esperar…

Numa aura longínqua
Sentem
Pressintam
A vizinhança
Da salvação…

A fonte da Fé
Secou…

Cristo
Já não é milagreiro…

Violência
Crime…

Desacato
Insanidade…

Enchem
E preenchem
A panóplia
Do Mundo em que vivemos...

Isabel Rosete
14/07/07
23/01/08

Pensar a Humanidade

Pensar a Humanidade…

É descortinar o abismo do Ser
O inquietante momento originário
Do Tudo e do Nada…

É presentificar
A metamorfose
A mudança…

As múltiplas faces
De entes camalionicos
Eternamente vagueantes
Em derredor
Do seu próprio círculo
Descentrado…

Do ponto-chave
Da gravitação
Universal…

É o des-velar de caminhos cruzados
Entre-cruzados…

De encontros
E desencontros…

Do determinismo
E da liberdade
Do livre-arbítrio
E da vontade…

È o despertar de uma racionalidade
Que apesar
De todos as calamidades
Ainda se considera imaculada…

Nascemos com o rótulo
De “animais racionais”…

O que diremos
Dessa “racionalidade”
Perante o vandalismo ecológico
O des-equilíbrio da Terra e dos Céus
A de-sordem do Mundo
O caos cósmico … ?

A inversão de todos os valores
O aparecimento de novos valores
Sem fundamento plausível …?

A indignidade
A des-igualdade
A intolerância
A intransigência
A insensatez
A mesquinhez
A indiferença …?

Isabel Rosete
14/07/07 - 5.00h
23/01/08

Não sei Viver

Não sei viver
Sem sonhar…

Sem o prazer
De uma doce
Ou terrível ilusão…

Sair
Evadir-me…

Uma necessidade
Imperiosa…

Urge viver outros mundos
Outros espaços
Outras gentes…

Outras realidades
Outros universos
Outros planetas…

A realidade
Presente
Esgotasse-se
Num instante…

Torna-se vazia
Sem essência
Sem Nada…

O Mundo
É tão grande
E tão pequeno
Ao mesmo tempo…!

Esmaga-me
Comprime-me…

Transporta-me
Para outros lugares…

Preenche-me
Torna-me vazia…

Um infinito paradoxo
Instala-se…

Um jogo de forças contrárias
Impõe-se…

Em atracção
E exclusão
Permanentes…

Tudo morre…
Tudo nasce…
Tudo se transforma…

Nada permanece…
Nada permanece…

A perpétua mudança
Impera
Num equilíbrio inextinguível…

O Ser está aí
Permanecente
Em cada alvorecer
Em cada des-floração…

Oculta-se
Em todas as coisas…

Desvela-se
Em todos os entes…

Aparece
E desaparece
Num círculo redondo…

Isabel Rosete
06/08/07
25/01/08

Não Posso Pensar...

Não posso pensar
No rosto dos homens
Sem ver o interior
Do seu rosto…

Cada expressão
Cada acto…

Cada gesto
É um sinal
Visível…

Da fragmentação
Do sobressalto…

Da agonia
Do prazer
Comoção…

Tudo se passa
Como se alguma
Faltasse ao viso humano…

Um sorriso
Por vezes
Doce
Por vezes
Pardacento…

A Alma humana
Destituiu-se de si….

Paira
Na bruma
Das tardes cinzentas
Sem paz…

Percorre
Os infinitos caminhos do Mundo…

Procura o Paraíso
Em todos os corpos outros
Sem saber
Qual a sua linhagem…

Ofusca-se
Com os raios do Sol
Vagueia
Pelas ondas do mar
Tumultuoso…
Parceiro dos ventos do Norte
Que consigo
Tudo arrastam…

Isabel Rosete
06/07/07
26/01/08

Amamos os Outros...

Amamos os outros…
Mas não amamos
Os outros…

Amamo-nos a nós mesmos
Centros de todos os Mundos
De todos os Universos
De todos os espaços siderais

O egocentrismo
É a nossa
Marca perpétua

A alteridade
Está aí
Vemo-la
Escutamo-la
E recusamo-nos
A senti-la

Queremos o outro
Mas não queremos o outro
Queremo-nos a nós mesmos
Em nós mesmos
E não no outro…

Fazemos do outro
O outro de nós
Giramos em círculo
Nem sempre perfeito
Em torno do outro
De nós…

Um eterno retorno
Ao Ego
É a marcha
De todos os nossos passos

Bifurcamo-nos nos caminhos dos outros
Para nos encontramos
Sempre que permanecemos dispersos

A incessante busca da Identidade
É o traço do nosso destino
Errante
Perplexo e complexo…

Isabel Rosete
6/08/07
26/01/08

Van Gogh...



Van Gogh…

Um par de sapatos
De camponês
Empoeirados
Nos trilhos
Das paisagens imaculadas…

Os caminhos do campo
Pisados
Por leves passos…

A fertilidade
O crescimento…

A celebração
Da pureza de todas as coisas…

A beleza singela
Das coisas simples…

Do trabalho do campo
Da charrua
Do arado…

Da colheita
Das batatas
Do trigo
Com que se faz o pão…

Da sesta ao pôr-do-sol
Dos corpos exaustos
Em plena união com a Natureza…

O amor pela Terra
A preservação
Da castidade de todos os entes…

Da germinação
De todos os frutos
De todas as flores…

Dos girassóis
Das papoilas
Dos lírios roxos…

Que engrandecem
As cores do mundo…

Do virgem canto dos pássaros
Que sempre vão
Que sempre voltam
Num eterno peregrinar…

Isabel Rosete
06/08/07
25/01/08

Quero viver todas as Vidas ...

Quero viver todas as vidas
Todas as realidades
Todas as existências…

Todos os Povos
Todas as Nações
Todos os Estados…

Todas as personagens
Todas as máscaras
Todos os véus…

Quero o Mundo em mim
Os mares
Os oceanos…

As estrelas
Os planetas
As galáxias…

Quero abraçar o Todo
Os outros
Que estão e não estão dentro de mim…

O Infinito
O Indeterminado
O Indefinido…

O mistério
O enigma
A incógnita…

Quero todas as dúvidas
Todos os porquês
Todas as interrogações…

Todos os silêncios
Todas as pausas…

Todos os vazios do cheio das palavras
Todas as entrelinhas…

Todos os sons
Todos os olhares…

Todos os gostos
Todos os cheiros…

Quero a criação
O renascer
A renovação…

Todos os amores
Todas as paixões
Todas as sensações…

O real
O imaginário
O virtual…

Quero a essência das coisas
O desvendar do Ser
A ocultação do Nada…

A transcendência da alteridade
A pureza de cada alma
A sensibilidade de cada corpo…

Isabel Rosete
27/12/07
26/01/08

Apolo e Dionísos


Apolo toca a sua lira
Faz brotar o sonho
A ilusão
A medida ....

A aparência
O brilho
A forma….

Dionísio solta a embriaguez
O delírio
O êxtase
O instinto...

A força selvagem
Das entranhas da Terra
Num único e majestoso canto
De celebração
Sem o comércio das palavras
Incapazes de dizer o indizível…

Resta o inefável
O enigma
O mistério...

O ante-cantar
Que as almas
Dignifica…

Isabel Rosete
31/o5/ 07
(7h.20m)
25/01/08


quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Contradições...


Só quero dormir
Descansar os olhos
Da vasta podridão do Mundo…

Paira o horror
O terror
O egoísmo
O egocentrismo…

O tédio
O enfado
De uma existência animal
Libidinal
Instintiva
Desmesuradamente competitiva
De animais castradores…

Quem vence não é o melhor
Mas o que parece mais apto
Para aquela função
Forjada por compadrio…

É a hipocrisia camuflada
Dita todas as regras
As do Ser e as do Não-Ser
As do parecer-ser
As do cheio e as do vazio…

E, ainda, falam de Ética…!

Mas que Ética
Se não estão mais presentes
No cerne da nossa existência
Individual e colectiva
Os deveres para com o outro
E os deveres para consigo mesmo?

O falso
Permanece
Nas relações humanas
Repletas
De vãs e ilusórias aparências
Aí plantadas
No domínio do sensorial
No domínio do meramente perceptível…

De olhos míopes
Somos incapazes de ver
Para além do visível…

De ouvidos moucos
Inábeis nos tornamos
Para escutar os ultra-sons…

Com paladares invertidos
Inaptos estamos
Para saborear
O amargo e o doce
Como instantes existenciais
Simultâneos
De um mesmo ser…

De olhos e orelhas cerradas
Vagueamos
Tacteando…

Procuramos todos os lugares
Nada nos satisfaz…

Nada fixamos como seguro
A instabilidade corrói-nos…

Mesmo assim
Ainda somos capazes de rir
Embora já não saibamos mais
O que é um sorriso…

Caminhamos entre as multidões
Desordenados e atónitos
Completamente perdidos
De nós
Dos outros
Do Mundo…

Somos nós e todos os outros
Mas não somos Nada
Nem ninguém...

Permanecemos no glaciar da incógnita…

Isabel Rosete
09/05/2007

5h 50m
23/01/08

Só Quero Dormir


Só quero dormir
Descansar os olhos
Da vasta podridão do Mundo…

Paira o horror
O terror
O egoísmo
O egocentrismo…

O tédio
O enfado
De uma existência animal
Libidinal
Instintiva
Desmesuradamente competitiva
De animais castradores…

Quem vence não é o melhor
Mas o que parece mais apto
Para aquela função
Forjada por compadrio…

É a hipocrisia camuflada
Dita todas as regras
As do Ser e as do Não-Ser
As do parecer-ser
As do cheio e as do vazio…

E, ainda, falam de Ética…!

Mas que Ética
Se não estão mais presentes
No cerne da nossa existência
Individual e colectiva
Os deveres para com o outro
E os deveres para consigo mesmo?

O falso
Permanece
Nas relações humanas
Repletas
De vãs e ilusórias aparências
Aí plantadas
No domínio do sensorial
No domínio do meramente perceptível…

De olhos míopes
Somos incapazes de ver
Para além do visível…

De ouvidos moucos
Inábeis nos tornamos
Para escutar os ultra-sons…

Com paladares invertidos
Inaptos estamos
Para saborear
O amargo e o doce
Como instantes existenciais
Simultâneos
De um mesmo ser…

De olhos e orelhas cerradas
Vagueamos
Tacteando…

Procuramos todos os lugares
Nada nos satisfaz…

Nada fixamos como seguro
A instabilidade corrói-nos…

Mesmo assim
Ainda somos capazes de rir
Embora já não saibamos mais
O que é um sorriso…

Caminhamos entre as multidões
Desordenados e atónitos
Completamente perdidos
De nós
Dos outros
Do Mundo…

Somos nós e todos os outros
Mas não somos Nada
Nem ninguém...

Permanecemos no glaciar da incógnita…

Isabel Rosete
09/05/2007

5h 50m
23/01/08

Odeio a Hipocrisia...


Odeio
O Mundo na sua prepotência
Os estados totalitários
Tirânicos
Opressores dos oprimidos…

A má fé
Os sorrisos abertos
Dissimulados
Que aniquilam os outros…

As gentes
Que não sabem distinguir
A realidade da aparência
A sombra do arquétipo
A cópia do modelo…

As mentes transviadas
Eternamente extraviadas
Em pleno caos intelectual
Em permanente desvario
Mergulhadas em espaços quadrados
Onde as ideias
Permanecem inflexíveis…

Odeio
As pretensas acções morais
De todos os Narcisos
Que não sabem ser Eco…

A Humanidade
Pela ausência de solidariedade
Para com as causas mais nobres
Mas menos visíveis…

A propaganda enganosa
Que fez da caridade
Um verdadeiro momento de glória…

Odeio…
Odeio…

Odeio tanta coisa…
Neste Mundo que age
Inconscientemente
Em nome de vã glória…

Isabel Rosete
9/06/2007
5.50h
08/01/08

Uma Espécie de Sossego Musical


Uma espécie de sossego musical
Desponta
Numa alma
Sempre aberta
A todos os Renascimentos

Sempre disposta
A partilhar
Com a alteridade
Os mais preciosos frutos
De cada amanhecer

Isabel Rosete
08/03/99

Olhos Azuis


Olhos azuis
Cintilam na brancura rosada
De uma face ainda imaculada

São pedras preciosas
Inscritas no alvor da pureza
De uma alma tão grande
Capaz de se dar ao esplendor do Universo

Nos seus finos lábios
Sempre se rasga um sorriso luminoso
Tão incandescente
Quanto a mais bela das estrelas
Deste céu que ainda nos cobre

Que doçura inspira nos que a olham
Na sua inocência de menina
Tão pura
Tão leve…

O mais ténue sopro
Pode arrastar
O seu espírito
Até às profundezas da Terra

Sabe amar como ninguém…

Esses lindos olhos azuis
Fazem transparecer
O amor verdadeiro
Em cada lento
E terno pestanejar

Azul do céu
Azul do mar
Azul da Lua…

Azul
Que reflecte
Um singelo ser
Transparente...

Uma dádiva divina
A infinitude do Ser
Do estar
Do amar
Que lhe é próprio

Azul dos espaços siderais
Azul do infinito
Do ilimitado
De todos os horizontes

Azul de todos os desejos
De todos os instintos
De todas as pulsões

Azul de todos os amores
Da esperança
Do olhar fixo e profundo
Que tudo olha e sempre vê.

Isabel Rosete
9/1/01
03/7/07
(Escrito para a Diana)

domingo, 17 de junho de 2007

Pensar Abril, 1ª versão



I
Viva o 25 de Abril.
Viva Liberdade.

Viva o Zeca que nos fêz acordar de uma longa noite de trevas.
Viva a voz audaz de um povo, até então, calado e adormecido.
Viva a consciência dessa voz que nos iluminou o futuro.

O futuro?
Que futuro?
O da politica demagógica?
O da falsa democracia?

Viva o futuro que já não se silencia.
Viva o futuro da expressão de todas as cores: rosa, laranja, vermelho, verde, amarelo…

Viva o eco de pensamentos outros,
Do diálogo ou da conversa fiada,
Da trama das ideologias e da teoria da inexistência das ideologias.

Viva o amor e a paz, sempre adiadas,
Mesmo depois do fim da guerra colonial,
Dos homens mutilados,
Dos corações de mulheres despedaçados;
Das almas das crianças órfãs,
Que assim nas ceram à luz da promessa de uma nova idade.

Viva o 25 de Abril!
Viva a Liberdade!


II

Vinte e cinco anos passados.
Restam-nos as memórias dos horrores da Guerra,
De uma sociedade que, em nome dos cravos vermelhos,
Um dia ousou gritar: Liberdade.

Liberdade:
Essa palavra de ordem que fez cair um Regime eternamente enraizado,
Que arrancou, com todas as armas, a tirania dos pretensos opressores.

Liberdade:
O sinal do dizer aberto,
Há muito ocultado, pelo véu da falsa ordem,
Há muito camuflado, sobre a tríade,
Deus, Pátria e Família;

O sinal do dizer aberto,
Há muito velado, nos meandros da paupérrima cultura de um povo,
Que convinha manter ignorante, analfabeto …
Em nome da ausência do espírito crítico,
Da mente desperta e do pensar astuto.

Vinte e cinco anos passados.
E aqui estamos nós, quiçá em uníssono,
A comemorar,
Com milhares de cravos vermelhos,
O grande acontecimento da Liberdade.

III

Volvidos 25 anos.
Já não somos os mesmos.

Avistamo-nos com um outro rosto;
O rosto da política da integração europeia;
Da integração comunitária,
Da moeda única,
Da adaptação ideológica.

O rosto, quiçá, da desintegração cultural é apátrida.
O rosto, cuja voz, já não sabe cantar o hino nacional.
O rosto, cujos traços e as cores,
Já não são, talvez,
Os da nossa bandeira.

Volvidos vinte e cinco anos.
Já não somos os mesmos.

E o que somos, então?
Um povo errante,
Ainda e sempre no resto da cauda do mundo,
Que outrora conquistámos,
No preciso momento em que o perdemos.

Erguemos o Convento de Mafra,
Com o ouro vindo do Brasil;

Edificámos a Torre de Belém
E o Monumento das Descobertas,
À custa de longas e saudosas lágrimas,
Dos que sempre partiram
E dos que sempre ficaram.

Qual Velho do Restelo se ousa, ainda, erguer?
Qual Adamastor, povoa, ainda, os nossos mares?
Quais ondas alterosas se erguem, ainda, desse imenso mar?



Isabel Rosete
24.4.1999

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Quantos são os mistérios da escrita



Quantos são os mistérios da escrita
No seio da imensidão
Do nosso universo linguístico…

As pausas
Os silêncios…

Sempre as palavras
Que nos comovem
Ou nos fazem explodir…

Sentimos o enigma do mundo
Na sua dis-persão e re-união…

Uma inquietante estranheza inicial
Coloca-nos na face dos mistérios
Insondáveis
Da Natureza
E do Homem…

Ficamos atónitos
O silêncio regressa
Apesar de toda a prosologia…

Iniciamos a próxima viagem
Em todo o nosso peregrinar
Tão genuíno como o canto dos pássaros…

A todo o instante
Fazem escutar
Os seus hinos de celebração da Terra
Que sempre acolhe os nossos passos
Tão pesados quanto a massa do Mundo…

Caminhamos para uma nova era
E nunca sabemos
Para onde correm os rios…

Os rios do “obscuro” de Éfeso
Que nos doou essa maravilhosa metáfora
Da sucessiva transformação
De todas as coisas…

Sempre outras…
Sempre outras…

Sempre as mesmas…
Sempre as mesmas…

Num eterno retorno
Marcado pelos traços
Da esmagadora infinitude…

Isabel Rosete
27/02/2007
25/01/08

Amar é o Desespero de um Coração Carente


Amar…
É o desespero
De um coração carente
À procura da outra metade
Que o complete…

Somos incapazes
De nos completar…

Precisamos sempre de um outro
De qualquer outro
Que procuramos em nós…

Essa terrível e eterna
Dependência do outro
Que não conseguimos
Encontrar em nós …

Que desgraça
A do coração humano
Sempre em falta…

Irremediavelmente só
Despedaçado
Desesperado…

Lamenta
Lamenta-se…

Exclama
Proclama…

Não sabe estar só
Dialogar consigo…

Encontra
No seu âmago
O vazio
Do seu próprio preenchimento…

Amar…
É coisa dos homens
Entes solitários
Incapazes de percepcionar
A solidão como outra forma de amar…

E isso não basta
A estas criaturas errantes?

Não
Não basta…
Nada basta…

Há sempre um mais
Um depois
Que aflora…

Em todos os pensamentos
Translúcidos…

Recônditos
Inconscientes….

Isabel Rosete
09/05/07
15/01/08

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Vaguendo...


Vagueando…

Pensar, morrer, amar, odiar, ou simplesmente vacilar. São estados existenciais de todos os humanos mergulhados num passado que, sempre, corrói.

Somos, eternamente, seres do passado e do presente. Meros instantes, momentos de cólera, de paixão e de compaixão. Seres mundanos e intra-mundanos que se excedem nos limites indeterminados do Universo. Nele nos movemos como pequenos pontos repletos de grandes desejos, de intensas ambições de marés imensas de ilusão, de utopias em que cremos, como se de realidades autênticas se tratassem.

Somos Prozac. Adrenalina pura. Sempre prontos a explodir.

Passeamos, calmante, pelos jardins das nossas cidades, esses jardins de pedra e de caminhos por onde vagueia o nosso imaginário, algures perdido…
Mesmo transbordando de originalidade, somos tão comuns, tão mesquinhos, como todos os outros que se nos apresentam como inferiores e, até mesmo, indignos das nossas palavras, dos nossos gestos, por mais insignificantes que sejam.
E aí estamos nós. Homens e mulheres, no gigantesco teatro do Mundo, cujo palco é a Vida, a nossa vida, marcada por uma azafama constante, não se sabendo bem em nome de quê, nem para quê…
Habituámo-nos a viver em multidão. Perdemos a individualidade. Sabemos que já não vale a pena ser Narciso. Eco morreu longe. A sua voz de alerta não paira mais em derredor dos nossos ouvidos.

Somos todos os outros. Menos nós mesmos. Fixamos o infinito. E perdemo-nos dos outros e nós mesmos.
Balbuciamos algumas palavras que, apenas, a nós, nos dizem respeito. Por vezes, também gritamos, bem alto, para que o Mundo inteiro nos ouça. Precisamos de extrapolar todo o sofrimento vivido e por viver. E aí somos o passado. Sim. O passado, mas lançados num futuro que vemos em sonho, alucinados, inquietos, como se tivéssemos a obrigação de controlar tudo. E como se o Tudo fosse ainda pouco. Como se declarássemos a morte ao Acaso, ao Fado, ao Destino.

Somos tão estranhos e tão complexos que mergulhamos, sempre atónitos, na tragédia que, a cada passo, criamos como traço central da nossa própria existência.
Marcamos o passo e o compasso do nosso caminhar, mas a um ritmo tão irregular que nos perdemos no contra-tempo.

Somos o tabuleiro do jogo. Outras vezes as peças que sobre ele se deslocam, segundo a vontade dos jogadores, os outros de nós mesmos. E ainda por cima, escravos de tudo isto, como se o papel e a caneta tivessem a estrita e peremptória obrigação de serem os nossos fiéis confessores.

Somos tão estúpidos, tão bestiais… que fingimos não ver o que realmente vemos. Esse célebre pleonasmo, do “visto, claramente visto”, já não faz parte dos tramites da nossa consciência de animais com cio, de tarântulas voadoras, ou de qualquer espécie de aberração que deixámos, pelas nossas próprias mãos, que a Natureza, um dia, criasse.
Iludimo-nos e pensamos que somos donos de tudo. Quando, afinal, nem sobre nós mesmos temos algum domínio digno de consideração.

Somos incapazes de perceber o estado da nossa própria humanidade, se é que este vocábulo, tantas vezes repetido, ainda tem algum sentido, algum conteúdo, explícito ou implícito, que nos possa falar.
No entanto, continuamos, mesmo que nos vejamos despidos de tudo, desses traços de uma tal humanidade que há muito perdemos de vista, ou que a nossa vista já não alcança…

Meu Deus…! Como a nossa miopia cresceu nestas últimas décadas…! O “Homo Sapiens, Sapiens”, assim nos chamam, é, nos tempos modernos, o “Homo miupus”, aquele que não é capaz de ver para além do que a sua vista torna simplesmente visível na proximidade dos objectos.

Somos, amiúde, puros espectadores passivos, entes sem convicção de identidade própria e determinada.

Somo o que somos. Mas não sabemos o que somos…

Chegamos mesmo ao estado de objecto, entre outros objectos. Nada mais. Passamos por elementos de cálculo, de factura, de recibo, tão descartáveis como quaisquer outros materiais informes, peças de uso quotidiano que, marginalmente, vão excedendo e ascendendo…

Somos estádios de passagem; pequenos detritos do lixo cósmico; pedaços de meteoritos que se estilhaçaram; folhas de árvores caducas, a todo o momento espezinhadas nas ruas, nas praças, nas calçadas perpetuadas pelos passos das gentes…

Mas que tédio…! Que cansaço…! Que atrocidade esta coisa de ser humano entre milhões de ditos e re-ditos seres humanos.

Homem: transcende-te, de uma vez por todas. Passa ao outro de ti mesmo, esse que usa o verdadeiro rosto escondido por detrás do opaco véu do teu inútil viso.
Ou, então, se te queres matar, mata-te de uma vez, depois de te esqueceres que és um existente envolto e impregnado em dilemas que te fazem rodopiar como um pião.

Homem: pára, escuta e cresce... Ouve os apelos do Mundo e da Terra que, mesmo martirizados por ti próprio, ainda alcançam o seu grito de alerta, em sinal de um advindo acolhimento, re-colhimento...

Homem: parte e rasga todos os horizontes, reais e possíveis. Só assim quebrarás com o passado, e encontrarás as réstias de um radioso dia…os traços de um tempo outro, ou de um outro tempo…de uma nova idade…de um novo amanhecer…de um outro re-nascer…


Isabel Rosete
24/12/2001