quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Mais uma homenagem que faço a Saramago, com este texto escrito no dia da sua morte, inspirado nas obras "Ensaio sobre a Cegueira" e "Memorial do Convento":

Da cegueira das mentes brancas
(Para Saramago)

Ah, aquela cegueira branca

Que cega o Amor, a Morte,

A Vida, o Corpo, o Pensamento,

Que fustiga a Alma em todo o seu ser!


Todos são vítimas! Ninguém escapa

Ao opaco, á ausência de transparência

Da luz que não mais se vê,

Nem no princípio, nem no fim,

Dos canais que vão dos olhos

Até ao cérebro.


Só há corpos! Não há olhos!

Só há lentes! Não há olhos!

O Mundo tornou-se invisível.

Nada se vê!

Só se ouvem vozes, tão próximas

Quanto distantes do corpo

Que só se sente, porque se tacteia;

Do corpo que só sente, porque se presente.


Ah, esta maldita epidemia

Que desventurou a humanidade

Já desventurada

Com o “Não” do visível,

Com o “Sim” do audível

Que, ainda nos resta!


Revirai os corpos e os olhos,

Os ouvidos, todos os sentires

Agora despertos pela cegueira

Do branco luminoso.

Atrevei-vos, nem que seja uma vez só!


Não há mais nenhuma maldade tamanha

Que na Terra possa surgir: o erro,

O engano do Ver, que não é visível,

A fraude do Olhar que olha, mas não vê,

O invisível aos olhos...


Cataratas, glaucomas, miopia...

O nevoeiro, o turbo, o vazio,

O opaco... a cegueira da cegueira...


Não há Lua, não há Sol, não há Estrelas!

Nada brilha por entre a multidão histérica

Dos cegos corpos enfurecidos.

Instala-se o caos, não o dos olhos

Da cara, mas o dos olhos das mentes.


Acabaram-se os filtros, os entre-meios,

Os meios-termos...

Os limites apagaram-se.

Tudo se torna possível!


Que moral, que pudor, que pré-conceitos?

Que regras do nu ou do vestido?

Que solidariedade de corpos e de almas?

Que tolerância pelo Amor próprio?

Que tolerância pelo Amor do outro?

Que caminho? Que guia?


Resta-nos Blimunda! A “Sete-Luas”?

‑ Sim, essa mesma. Mas, essa...

Mas, essa... só vê por dentro e de olhos

Fechados num corpo, ainda, virgem!


‑ Desgraça, desgraça... Que desgraça!

É o Humano! Porém, esperai. Não vos

Apresseis. A Luz chegará; o Sol voltará

A iluminar-nos; as Estrelas a cintilarem

E a Lua a mostrar, claramente,

Todas as suas faces.


O Céu voltará a ser azul e não mais branco:

‑ “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.


Isabel Rosete

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